Eles esperam há 512
anos para voltar a ter o que lhes é de direito por natureza. Eles
esperam ter um lugar para morar em paz, uma terra para plantar o que
comer e o que possa garantir sua subsistência, um espaço para
preservar sua cultura e exercer suas crenças, como fazem todos os
brasileiros. Eles esperam que cesse a perseguição que os expulsa de
seus terrenos para dar lugar ao agronegócio, esperam que seja
impedida a devastação de suas florestas e a poluição de seus
rios, esperam que a Justiça coloque na cadeia os fazendeiros que
mantêm seus parentes trabalhando em regime de escravidão, esperam
coibição e punição a ameaças de morte, desaparecimentos de
índios e estupros de índias.
Os Tupinambá de
Olivença, em Ilhéus (BA), estão, decididamente, cansados de tanto
esperar. De esperar, também, que situações de exploração e
violação dos direitos fundamentais como essas, detalhadas no
relatório de 6 mil páginas que compõe o processo de demarcação
encaminhado pela Funai receba um parecer do Ministério da Justiça –
o prazo se esgotou em junho.
Por isso, os Tupinambá
decidiram iniciar sua autodemarcação, uma forma de luta para chamar
a atenção das autoridades e fazer valer seus direitos. No dia 14 de
julho, foi feita a primeira retomada de um território indígena
próximo à aldeia Santana, área ainda dominada por coronéis do
cacau, agropecuaristas e grandes plantadores de palmito só para
exportação, além de monocultivos que estão destruindo a flora e
fauna locais. Desde então, foram retomadas aproximadamente vinte
fazendas, em ações totalmente pacíficas, muitas vezes com os
ocupantes reconhecendo que estavam instalados em terras indígenas.
Uma das recentes retomadas foi na aldeia Potyur, que já havia sido
ocupada há dois anos, mas houve uma reintegração de posse a favor
do fazendeiro. No entanto, ele não voltou a morar na fazenda, que
ficou abandonada. “Eles tiram os índios com a reintegração e
deixam tudo abandonado”, diz o cacique Acauã, um dos doze caciques
do povo Tupinambá de Olivença. “Se é para fazer isso, a Justiça
devia tratar igual as duas partes: sai fazendeiro, não entra índio,
mas o Estado cuida da área, não deixa deteriorar”, acrescenta.
Criminalização
O cacique esclarece o
caráter pacífico das ações, que vêm sendo criminalizadas pela
mídia local: “Queremos viver tranquilos, resgatar nossa língua,
acabar com o trabalho escravo de nossos parentes, acabar com a venda
de bebida alcoólica para os índios, como forma de manipulação.
Queremos ser tratados como cidadãos que somos. Não estamos pedindo
o Brasil inteiro, sabemos que o país tem de andar. E outros povos
também precisam de terra... os brancos, os quilombolas, os pequenos
agricultores... nossa reivindicação é apenas o território nosso
para sobreviver”. Acauã reforça ainda que, “se a Justiça não
é capaz de impedir as agressões ao ambiente, o índio tem de
preservar, porque o índio é a natureza”.
A maior parte das
supostas propriedades, alerta um jovem e combativo indígena que
participa das retomadas, não é habitada por fazendeiros, mas por
meeiros ou por famílias obrigadas a trabalhar por salários que não
pagam as despesas cobradas por moradia e alimentação. Um indígena
que trabalha nessa situação conta: “Toda minha família trabalha
na fazenda há muito tempo. Eu só tenho um ano e meio. O trabalho é
muito pesado, pois a fazenda tem mais de 400 hectares, um extenso
cultivo de cacau e nós só somos seis”. Juntando tudo que ele
ganha no ano, chega a R$ 4 mil, mas desse dinheiro tem que dar 50% ao
fazendeiro e tirar o necessário para comprar suas próprias
ferramentas.
“Não temos nada
contra essa gente, esses pequenos agricultores, somos todos do mesmo
nível, nossa briga é com os exploradores”, diz essa jovem
liderança. Outro jovem, também representativa liderança nas
retomadas, explica o espírito da jornada: “A ideia é plantar,
reflorestar e daqui poder tirar nosso sustento. Aqui vamos ter a
mata, os pássaros, os peixes... muito diferente de viver na
periferia, onde os parentes estão espalhados. Esse território
sempre foi nosso, meus ancestrais sempre viveram aqui, meu bisavô,
meu pai, eu, meus dois fi lhos temos de viver do que é nosso. Nossa
luta não é contra os agricultores, nossa luta é contra o governo
que não faz o papel dele, de demarcar a nossa terra. E a gente acaba
sofrendo discriminação e preconceito”.
Ao contrário do
noticiado em órgãos de imprensa local, que procura criminalizar os
Tupinambás, as retomadas são pacíficas. “A gente vem, conversa,
dá um tempo para o ocupante retirar tudo o que é seu, não queremos
nada que não é nosso. Eles levam todos os móveis, pertences...
podiam levar até a casa! Porque a gente não quer isso, a gente quer
só a nossa terra”, desabafa o jovem de 28 anos.
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Determinação
Aos 80 anos, com dez
filhos e 30 netos, dona Nivalda, que já foi cacique Tupinambá,
mostra o mesmo sofrimento, mas também a mesma garra de conquistar o
que é seu. Ela participa das retomadas e sonha com um “lugar fixo”
para fazer sua roça. Voluntária da Pastoral da Juventude, dona
Nivalda já esteve com o presidente Lula e pediu a ele uma escola
indígena para a aldeia – conseguiu. Ela lembra que sua avó foi a
única a resistir à expulsão dos indígenas de Olivença. “Ela
disse: daqui, só saio morta. Ela construía uma casa e eles
derrubavam, construía, derrubavam... até que fizeram uma casa de
tijolo por dentro da casa de palha. A construção era feita de
noite, pra ninguém ver. Um belo dia, tiraram a palha e lá estava a
casa, que ninguém ia derrubar. Foi lá que ela morreu”. A avó de
dona Nivalda era obrigada a ir para o quintal para falar a língua
nativa, que era proibida. Hoje, a filha de dona Nivalda é professora
de língua indígena. “As coisas mudaram. Antes a gente tinha o
direito e não sabia. Hoje a gente sabe. E luta por ele”, se
orgulha. (Colaboraram Kaluanã Tupinambá e Vilma Almendra)
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“Eu quero aproveitar
essa reportagem para mandar uma mensagem para a Justiça brasileira,
para quem faz as nossas leis, senadores, deputados... que olhem para
esse povo sofrido, que não suporta mais tanto sofrer. Um povo que
foi massacrado no passado, está sendo massacrado agora, no presente.
A gente precisa dessa terra para plantar, viver nossa cultura, o
pouco que restou dela. Então eu faço um apelo: eu acredito na
Justiça e sigo ela também. O que é que está impedindo? São os
grandes coronéis? Paguem a eles, indenizem eles, mas tirem eles
desta terra, que é do povo Tupinambá. Não aguentamos mais. É a
polícia federal de um lado querendo nos pegar, é posseiro do outro
querendo nos pegar... pistolagem por outro lado. Em julho do ano
passado, eu estive no ministério da Justiça, no Conselho Nacional
de Justiça, na AGU, na 6a. Câmara, levando denúncia de
armamento... levei provas concretas disso. Eu peço, pelo amor de
Tupã, que vocês levem a sério isso.” Cacique Acauã
Tupinambá
FONTE: Brasil de Fato
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