Três anos depois do julgamento do STF
(Supremo Tribunal Federal) que homologou a demarcação da Terra Indígena
Raposa Serra do Sol em área contínua, a AGU (Advocacia-Geral da União)
publicou hoje uma portaria que regulamenta a atuação de advogados e
procuradores em processos judiciais que envolvem áreas indígenas em todo
o país. Na prática, a portaria coloca em vigor as 19 condicionantes
definidas pelo STF para demarcação e direito de uso de terras indígenas
na época do julgamento.
Organizações socioambientalistas e de
defesa de direitos dos índios criticaram a portaria e temem o
acirramento de conflitos agrários e retrocessos para comunidades
indígenas. Entre os pontos polêmicos da portaria, estão a proibição da
ampliação de terras indígenas já demarcadas e a garantia de participação
de Estados e municípios em todas as etapas do processo de demarcação.
O
advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, disse que a portaria não
cria novas regras, apenas regulamenta a orientação para órgãos da AGU
atuarem de acordo com o que foi definido pelo STF em 2009. “A portaria é
necessária para que exista segurança jurídica desses processos. Estou
acatando e não criando normas, apenas apropriando uma jurisprudência que
o STF entendeu ser geral, para todas as terras indígenas. Não é uma
súmula vinculante, mas estabeleceu uma jurisprudência geral”, explicou.
Regras
A
Portaria 303/2012 proíbe a comercialização ou arrendamento de qualquer
parte de terra indígena que possa restringir o pleno exercício do
usufruto e da posse direta pelas comunidades indígenas, veda o garimpo, a
mineração e o aproveitamento hídrico pelos índios e impede a cobrança,
pelos índios, de qualquer taxa ou exigência para utilização de estradas,
linhas de transmissão e outros equipamentos de serviço público que
estejam dentro das áreas demarcadas.
As regras deverão orientar a
atuação da União em todos os processos jurídicos em que há conflitos
pelas áreas de terras indígenas. Para o secretário adjunto do Cimi
(Conselho Indigenista Missionário), Saulo Feitosa, o documento da AGU
restringe a autonomia dos índios em seus territórios e cria insegurança
jurídica, já que mesmo as áreas já homologadas estarão passíveis de
serem questionadas na Justiça.
“É uma irresponsabilidade propor
algo do tipo. Estamos prevendo uma enxurrada de ações judiciais movida
por particulares, Estados e municípios”, disse Feitosa, destacando a
“incongruência” do artigo da portaria que determina que os procedimentos
para o reconhecimento e demarcação de terras indígenas terão que ser
revisados a fim de se adequarem à portaria. Segundo Adams, as terras
indígenas já homologadas não serão prejudicadas.
Ponto crítico
Para
o Instituto Sociambiental, a impossibilidade de ampliação de áreas já
demarcadas é o ponto mais crítico da portaria, porque pode inviabilizar
demandas como a da etnia Guarani-Kaiowá, que há anos disputa áreas em
Mato Grosso do Sul com produtores rurais. “São muitas as TIs demarcadas,
sobretudo no centro-sul do país, que demandam revisão de limites por
não corresponder a toda a área de ocupação tradicional e não ter o
tamanho suficiente para garantir a sobrevivência das comunidades
indígenas. O caso dos Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul é o mais
exemplar e dramático”, criticou o ISA, em nota.
Nesses casos,
segundo Adams, a União poderá decidir pela desapropriação de novas áreas
e destiná-las às comunidades indígenas, sem rever a demarcação
original. “A decisão do STF é clara, a revisão não pode acontecer. O que
não impede que a administração pública desaproprie outras áreas por
interesse público e alargue essas terras para as comunidades”, adiantou.
A
portaria também confirma o entendimento do STF de que os direitos dos
índios sobre as terras não se sobrepõem aos interesses da política de
defesa nacional, ficando garantida a entrada e instalação de bases,
unidades e postos militares no interior das reservas. A expansão
estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas e
de “riquezas de cunho estratégico para o país” também não dependerão de
consentimento das comunidades que vivem nas TIs afetadas, de acordo com
as regras.
Fonte: Da Agência Brasil
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