quarta-feira, 30 de abril de 2014

Educação indígena em debate

Vinte e cinco anos depois da primeira mobilização de professores e estudiosos iniciar a luta pela inclusão da educação indígena no Estado, representantes de instituições e prefeituras do Amazonas e Roraima, Organizações Não-Governamentais (Ongs), universidades e professores da rede escolar indígena se reúnem para o lançamento do 1º Fórum de Educação Indígena do Estado do Amazonas.
O lançamento do fórum - iniciativa inédita para reunir especialistas, promover o intercâmbio de experiências e formular novas políticas públicas para a educação indígena - acontece às 16h de hoje, no Centro de Formação Maromba, localizado na rua da Maromba, bairro São Geral, Zona Centro-Sul.
Discutir e formular novas propostas para desenvolver a educação indígena no Amazonas é a principal proposta do fórum, segundo o professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e membro da comissão coordenadora do evento, Gersen Baniwa.
“Há 25 anos nosso principal objetivo era criar e garantir direitos na lei, Hoje nosso foco é implementar essas leis. E com a evolução da educação indígena nas últimas décadas, ganhamos o reforço de novos sujeitos indígenas, agora capacitados, que vão nos ajudar a encontrar esses mecanismos”, declarou.
Para ele, a participação dos professores e outros profissionais indígenas formados ao longo desses 25 anos no fórum é fundamental, inclusive, para resgatar os objetivos do movimento de professores indígenas no Estado, que andava um tanto “adormecido”.
“Em 1989, essa comissão de professores iniciou a luta e ajudou a transformar a educação indígena. Nos últimos seis anos, até em função de conquistas como o acesso a universidades e o aumento do poder aquisitivo, os professores pararam de se reunir. Mas ainda há muitos desafios a enfrentar, daí a necessidade de retomar a mobilização e refletir sobre como melhorar o ensino na sala de aula”, disse.
Participantes
Além de 140 professores que atuam nas 900 comunidades escolares indígenas do Amazonas, dez representantes do Estado de Roraima e especialistas como a ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcia Azevedo, e o professor do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP), Márcio Silva, participam, desde segunda-feira, de debates no Centro de Formação da Maromba. Hoje, o encontro vai das 8h às 19h.
“Embora tenhamos tido muitos avanços, temos ainda muitos desafios pela frente. Este é o momento de articular essas lideranças para encontrarmos soluções e convencer os governos de que é preciso investir na educação indígena para dar fim à exclusão”, analisou Baniwa.
Blog - Márcio Silva - professor do Depto de Antropologia da USP 
“Acompanho  a luta pela educação indígena desde 1989.  E quem começou tudo foi um povo do Amazonas. Os tikunas, interessados em discutir a educação nas aldeias, procuraram o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em busca de apoio para uma reunião e tratar desse assunto. Assim começaram as discussões. Dois anos depois, Amazonas e Roraima fizeram uma declaração de princípios, que iluminou a luta da década seguinte, pautando reivindicações que, ao longo dos anos, foram sendo conquistadas. Naquela época não existiam, por exemplo, professores indígenas. Hoje, boa parte dos professores que atuam nas aldeias são indígenas que tiveram acesso à formação de nível superior e voltaram às comunidades. São avanços enormes. Mas muitas dificuldades ainda permanecem, e  outras novas surgiram. Agora, eles voltaram a se reunir e eu vejo lideranças indígenas que naquela época eram crianças discutindo o futuro. Isso é muito positivo”.
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segunda-feira, 28 de abril de 2014

Miséria nas aldeias é por ‘vontade’ de indígenas, dizem internautas



Nota: O site Dourados News publicou a matéria "Miséria nas aldeias é por ‘vontade’ de indígenas, dizem internautas". A Ação de Jovens Indígenas  de Dourados e o Grupo de apoio aos Povos Kaiowá e Guarani vem através desta se manifestar em relação a matéria. 
A mateŕia em si é o resultado de uma pesquisa, é bom saber o que os não índios pensam dos indígenas, mas a realidade não é essa, cada um tem sua liberdade de expressão mas quantos já vieram visitar a aldeia, procurar o histórico dos povos indígenas para entenderem o que acontece nos dias de hoje, é facil julgar mas fazer uma ação para que isso mude de rumo é uma raridade. 
Na aldeia de Dourados muitos indígenas trabalham em empresas nas cidades, em usinas, escolas, postos de saúde, lojas, supermercados, e outros. Isso sim não divulgam, e o resultado dessa matéria só nos esclarece ainda mais o quanto não se interessam pela causa indígena, o quanto são desinformados, preconceituosos, é só caminhar pela aldeia pela manhã e no fim da tarde para ver quanta gente vai e vem do trabalho. 
E outro ninguém vive na miséria por vontade própria, isso é consequência de muitos outros fatores. 
AJI/GAPK


Leia a mateŕia abaixo: 
http://www.douradosnews.com.br/dourados/miseria-nas-aldeias-e-por-vontade-de-indigenas-dizem-internautas
 
A maioria dos internautas que votaram na enquete proposta pelo Dourados News acreditam que, famílias vivendo na miséria dentro da Reserva Indígena do município estão na situação por vontade própria. Ao todo, 290 (34,28%) dos 846 votantes, citaram que opções por renda existem, mas boa parte das pessoas não querem trabalhar.

Na data comemorativa ao Dia do Índio, o site mostrou a vulnerabilidade de indígenas das aldeias Bororó e Jaguapiru em Dourados.

Numa das ocasiões, a reportagem encontrou o casal Luciana Aparecida Reginaldo, 29, e Josimar da Silva, 27, que moram com cinco filhos num barraco de lona onde havia apenas uma cama para as crianças e o chão frio para os pais. O fogão, fica do lado de fora.

“Meu esposo está desempregado, então ele está fazendo bicos, carpindo terrenos para os outros para nós sobrevivermos. A cesta [básica] que recebemos dá para 10 dias no máximo, depois comemos mandioca e pucheiro”, contou Luciana na data, reclamando da dificuldade de se conseguir trabalho.
OUTROS RESULTADOS

Ainda segundo a opinião de 23,17% (196) dos participantes da enquete, a miséria existente dentro da Reserva é causada pela dependência de drogas ilícitas e bebidas alcoólicas.

Já 158 (18,68%) culpa a falta de políticas públicas e de inclusão social dos moradores do local.

A ‘responsabilidade dos governantes, que pouco fazem a favor dos indígenas’ foi a causa escolhida por 142 votantes (16,78%). Por fim, 60 pessoas (7,09%) preferiram a opção que a situação mostra a desigualdade social em todo o Brasil.

NOVA ENQUETE

Após o prefeito Murilo Zauith (PSB) sancionar a Lei Complementar nº 245, autorizando a criação da Funsaud (Fundação de Serviços de Saúde de Dourados) – entidade que administrará o Hospital da Vida e também a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) 24 horas – como você acredita que ficará o atendimento no HV? Participe de nossa enquete.


Remoção de terras indígenas durante ditadura é lembrada em audiência da CNV

Perda de territórios tradicionais, transferência forçada e exploração de mão-de-obra foram alguns dos casos de violência sofridos pelos povos indígenas durante a ditadura militar. "Nossa história é longa, triste e cheia de sangue, lágrimas e sofrimento", contou o antigo cacique Ofaié, Ataíde Francisco Rodrigues, durante audiência pública promovida ontem (26) pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).
"Hoje somos compostos por Ofaié, Kaiowá, Terena e não-indigenas, somos o restante de uma etnia que no final do século XIX éramos duas mil pessoas e hoje somos apenas 8 falantes da língua Ofaié", diz ele.
"Eu paro e reflito o que aconteceu no passado foi um massacre, um verdadeiro extermínio, onde um boi teve mais valor que a vida de um índio, que a vida de um ofaié", relatou José Gomes, atual cacique da etnia. No segundo dia da audiência na cidade de Dourados (MS), José Gomes disse que seu povo foi declarado extinto nos anos 1970 e no final da década perdeu seu último pedaço de terra tradicional. Segundo ele, os Ofaié foram forçados a conviverem com outros povos depois que a terra em que ocupavam foi entregue pela Funai a pecuaristas.
Após serem expulsos da ilha em que viviam, tomada pelo Exército em 1972 e arrendada para pecuaristas, os índios Guató se espalharam por vários municípios próximos a Corumbá (MS). "Os Guató que ali viviam foram expulsos pelo gado, pois não tínhamos costume de criar animais, mas de ter pequenas roças", lembrou o indígena Zaqueu, de acordo com a assessoria de comunicação da CNV.
Justino Francisco Samuel foi explorado por uma usina de açúcar e álcool nos anos 1960 e 1970, junto com 40 terenas recrutados para trabalhar na empresa. Segundo seu relato, os terenas foram perseguidos por fazendeiros e autoridades, incomodados com as suas expedições tradicionais de caça e extrativismo.
Os depoimentos revelam a participação de funcionários do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em violações de direitos humanos contra os povos. A audiência também ouviu a coordenadora regional da Funai em Campo Grande, Ana Beatriz Lisboa. "Eles sabem que no passado o governo não tinha esse respeito com a questão cultural, a questão tradicional, a própria forma de vida dos povos indígenas. Como o SPI era órgão do governo que fazia esse papel, é natural que fizesse a mesma atuação equivocada de todo governo", disse, conforme registro de estudantes da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) em página criada para acompanhar a audiência.
À tarde, os participantes da audiência pública fizeram uma roda de conversa na Escola Indígena Tengatuí. Genésio Farias foi apresentado como o primeiro professor da Terra Indígena Cachoeirinha, e sua fala na língua original foi traduzida simultaneamente. Segundo ele, muitas mortes e acidentes envolvendo os índios, como a reintegração de posse de uma fazenda, não tiveram uma resposta efetiva do Estado.
"Meu povo vem sofrendo há muito tempo, muito antes desse período da ditadura. Quando começou a se formar fazendas ao redor das aldeias, começou a sofrer muito mais, trabalhando nessas fazendas de campos de colonos". Genésio conta que um acidente de trabalho e um incêndio em um ônibus que transportava estudantes causaram mortes e nenhuma família foi indenizada.
No primeiro dia de audiência, o índio guarani Bonifácio Reginaldo Duarte contou o processo de trabalho forçado e espancamento pelo qual passaram índios transformados em prisioneiros. Estes depoimentos foram documentados e ajudarão a compor o relatório final da CNV. Eles poderão servir como base para possíveis pedidos de indenização coletiva. Esse e outros tipos de ações compensatórias não são papel da comissão.
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quarta-feira, 23 de abril de 2014

Via Campesina protocola no MJ moção de repúdio à Minuta que modifica demarcações



A Via Campesina, movimento internacional que reúne organizações camponesas de pequenos agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres e comunidades indígenas, protocolou na manhã desta quarta-feira (23), no Ministério da Justiça (MJ), uma moção de repúdio à Minuta de Portaria do MJ que pretende regulamentar o Decreto nº1775/96 (leia aqui), que trata da demarcação das terras indígenas, modificando o procedimento. A ouvidora geral do órgão, Helena Moura, recebeu os representantes da Via Campesina e se comprometeu a encaminhar a demanda para o ministro José Eduardo Cardozo.
"Se a Minuta for publicada, será mais um genocídio contra os povos tradicionais. Por isso nós da Via Campesina decidimos fazer essa moção de repúdio contra a portaria", disse Evandro Nezelo, membro do movimento. Caso a Minuta seja efetivada, grupos contrários à demarcação dos territórios indígenas terão livre acesso para interferir desde os primeiros momentos do procedimento de identificação e delimitação dessas terras, lesando o cerne dos direitos dos povos indígenas, garantidos constitucionalmente.
“A publicação e efetivação das medidas contidas na Minuta podem acirrar intensamente os conflitos, favorecer uma parcela de pecuaristas, latifundiários, produtores rurais e grileiros de terras, inimigos históricos dos índios. [...] Não se pode aceitar que o Governo do Brasil assuma posição tão aberta e insultuosa, injuriosa e ultrajante aos Povos Indígenas através de atos normativos e de políticas regulatórias em desfavor dos povos originários, como pretende com o que propõe a regulamentação do Decreto 1775/96.”, diz trecho do documento da Via Campesina.
Um parecer jurídico (leia aqui) analisando os principais equívocos constitucionais da Minuta de Portaria foi entregue ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no início de abril, durante sessão da 9º reunião extraordinária da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), em Brasília (DF). A Via Campesina também manifesta no documento sua adesão ao parecer, elaborado por organizações indígenas e indigenistas e já apoiado por diversas instituições.
Para assinar o parecer contra a Minuta do MJ é necessário enviar uma mensagem de adesão ao endereço eletrônico apib.nacional@gmail.com. As assinaturas serão anexadas e enviadas às autoridades.
No Brasil, além do MAB, as demais organizações da Via Campesina também assinaram o parecer contra a minuta - ABEEF, CIMI, CPT, FEAB, MPA, MMC, MST, PJR, MPP, APIB, SINPAF, ADERE, ENEBio, CONAQ e MAM.



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sexta-feira, 11 de abril de 2014

Dourados realiza 4º Miss e Mister Indígena neste sábado




A Prefeitura de Dourados em parceria com a Unigran e a Prefeitura de Itaporã realiza neste sábado o 4º Miss e Mister Indígena, na Vila Olímpica da Aldeia Bororó, às 19h. Foram selecionados vinte candidatos, sendo dez meninas e dez meninos das etnias terena, guarani-kaiowá e guarani-nhandéwa.
O lançamento do concurso foi sábado passado, no Recanto Tio Liko, na Aldeia Jaguapiru. De acordo com o coordenador do concurso, Fernando Lúcio Barbosa, o Fernandinho, neste ano foram 62 inscrições, mas o regulamento determina seleção de 20. Para participar do concurso, os jovens devem ter entre 15 a 25 anos, serem solteiros, sem filhos e residentes nas aldeias de Dourados, ou seja, Jaguapiru, Bororó ou Panambizinho.
A indígena vencedora ganhará o direito de participar do 1º Miss Brasil Indígena, que será realizado em 14 de setembro, em Brasília. O mister indígena vencedor em Dourados vai coroar a miss indígena nacional. O coordenador do 1º Miss Brasil Indígena, Carlos Aberto Dias, que é da Funai em Brasília, vai prestigiar o concurso Miss e Mister Indígena em Dourados.
O Miss e Mister Indígena acontece durante a programação da Semana dos Povos Indígenas, que vai ser realizada em Dourados de 12 a 20 deste mês. A equipe de organização já se reuniu com a Polícia Militar, Força Nacional, Polícia Federal, Funai (Fundação Nacional do Índio) e Guarda Municipal para definir as estratégias da segurança no dia do evento, na Vila Olímpica Indígena.
De acordo com Fernando, o concurso é aguardado com muita expectativa por parte da comunidade das três aldeias de Dourados. A atual miss indígena, eleita no ano passado, é Daiane Martins Romeiro, 17, e o mister indígena é Fernando da Silva Souza Júnior, 16.
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quarta-feira, 9 de abril de 2014

Assembleias Indígenas: 40 anos depois segue a luta e articulação


Em abril de 1974, em pleno "milagre brasileiro", anos de chumbo da ditadura militar, duas dezenas de indígenas se reuniram embaixo de algumas mangueiras, em Diamantino (MT).

Era abril. Uma comemoração diferente. Fato que viria marcar profundamente a luta dos povos indígenas no Brasil. Se lançavam as sementes de um novo movimento indígena no país. Nos dez anos seguintes, foram mais 50 Assembleias Indígenas em todo o país. A segunda foi em Cururu, território Munduruku, e a terceira se realizou em Meruri, território Bororo. Foi no bojo desses momentos de encontros regionais e nacionais que em 1980 surge a União das Nações Indígenas (UNI). Apesar das dificuldades e fragilidade de uma organização indígena de abrangência nacional, foi um passo importante na consolidação das lutas dos povos indígenas por seus direitos.

Há 40 anos se dava um passo decisivo para conquistas fundamentais, particularmente na questão da posse dos territórios tradicionais, na perspectiva da autonomia, como consta do registro do encontro: "Os índios redescobriram que eles devem ser os sujeitos de seus destinos, não é a Funai e nem as missões os que resolverão os problemas deles, mas nós mesmos", como afirmaram insistentemente. Apesar do apoio inicial do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em muitos momentos eles ficaram sem a presença de brancos, para traçar suas estratégias de luta. Essa primeira Assembleia Indígena teve o registro silencioso do padre Iasi, conforme consta no Boletim do Cimi nº10, de maio de 1974. Iasi se encontra em Belo Horizonte, tendo completado 95 anos no último dia 5 deste mês de abril.

“Quarenta anos depois, uma delegação dos povos indígenas do Mato Grosso está em Brasília para dizer: "Nós existimos!”. Apesar do genocídio continuar, também se fortalece nossa luta, principalmente pelo reconhecimento e garantia de nossos territórios", afirma Faustinho Tucumã Kayabi.

Lembram que nessas quatro décadas muita luta aconteceu, muitos morreram lutando pelos direitos, mas mais guerreiros nasceram, povos se ergueram e línguas se reconheceram. "Estamos sofrendo com a expansão do agronegócio, com a construção de hidrelétricas e hidrovias. Muitas das nossas terras estão invadidas e outras não demarcadas, como a dos Chiquitanos", declara Faustino.

Terão uma semana de encontros em diversos ministérios, na Câmara e Senado, além de órgãos ligados a questão indígena. A comitiva irá entregar documentos exigindo a demarcação das terras, o direito dos povos isolados. Também manifestaram preocupação com o sofrimento e agressões de diversos povos indígenas em todo o Brasil, especialmente os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, os Tupinambá do sul da Bahia, os Kaingang no Rio Grande do Sul, dentre outros.

Para o Cimi, tais lutas têm um significado todo especial, pois na região destes povos do Mato Grosso que se concretizaram atitudes corajosas de ruptura, como no caso dos jesuítas em Utiairiti e os salesianos em seu compromisso de vida com os Bororo e Xavante. Foi em consequência dessa nova e radical atitude de defesa da vida e cultura desses povos que foram assassinados Simão Bororo e padre Rodolfo, em meados de 1976, e o padre João Bosco, no mesmo ano. Dez anos depois era assassinado Irmão Vicente Cañas, que trabalhava com os Enawenê-Nawê. Sementes de sonhos e de martírio, acreditando que um mundo novo será possível.

Os direitos ameaçados

Em contato com os diversos espaços de poder, os indígenas pretendem dar visibilidade na demonstração de preocupações com relação à paralisação da demarcação dos territórios tradicionais. Também vão dizer não à intenção do Ministro da Justiça em mudar, a toque de caixa, a dinâmica do procedimento demarcatório das terras indígenas, a imposição do decreto de morte, a Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU), além de várias portarias, como as 215 e 227, que pretendem suprimir direitos constitucionais.

A delegação de indígenas do Mato Grosso vem dar continuidade às lutas históricas destes povos para ampliar e consolidar alianças, exigindo seus direitos e denunciando todas as formas de violações. “No Mato Grosso, o agronegócio se impõe sem nos respeitar. Onde tem cerrado querem soja. Onde tem mata querem tirar madeira, onde tem rio querem fazer usina e nosso ar e água estão sendo envenenados por agrotóxicos", afirmam os representantes Kayabi, Xavante, Bororo, Myky, Chiquitanos, Munduruku e Manoki.

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terça-feira, 8 de abril de 2014

Colombia: Una capitulación anunciada




El texto a continuación hace parte de las reflexiones que hemos venido haciendo sobre el devenir de las organizaciones indígenas de Colombia que acompañan la perseverante lucha de sus pueblos por defender sus derechos territoriales y culturales. El tema que en esta ocasión se examina es el horizonte político de las organizaciones indígenas, que siendo de máxima actualidad, es un tema recurrente de discusión para cuantos nos interesamos porque el porvenir de los pueblos indígenas aparezca despejado, sea transparente su ruta y libre su camino. Esto en lo que atañe al contenido. En cuanto a la forma, los argumentos y los términos utilizados son acerados pero hondamente sinceros. No son dardos lanzados al viento. Buscan atinar corazones de gente dispuesta al pensamiento.
Empecemos recordando unas preguntas que muchos nos hacemos en Colombia: ¿Por qué la lucha de los pueblos indígenas siendo tan genuina, constante y sobre todo tan larga, no ha conducido a puerto seguro? Pero también ¿por qué a pesar de tener tan sólidos y colosales derechos, la situación en sus territorios sea tan deplorable, hasta el punto que algunos pueblos se encuentren al borde de la extinción? Más aún ¿por qué sus asombrosas movilizaciones han sido tan improductivas? A estas preguntas yo le agregaría otra, más actual, ahora que me encuentro realizando una consulta sobre el impacto que han tenido las publicaciones de IWGIA

A ditadura que não diz seu nome

Por Eliane Brum
 “Quando se quer fazer alguma coisa na Amazônia, não se deve pedir licença: faz-se.”
A declaração é do gaúcho Carlos Aloysio Weber, ex-comandante do 5o Batalhão de Engenharia e Construção, um dos primeiros a instalar-se na Amazônia na ditadura civil-militar. Em 1971, ele foi entrevistado para um projeto especial da revista Realidade sobre a Amazônia. O repórter fez ao coronel, apresentado como “lendário” em Rondônia, a seguinte pergunta: “Como é possível fazer as coisas na Amazônia e transformar a região?”. O coronel respondeu:
- Como você pensa que nós fizemos 800 quilômetros de estrada? Pedindo licença, chê? Usamos a mesma tática dos portugueses, que não pediam licença aos espanhóis para cruzar a linha de Tordesilhas. Se tudo o que fizemos não tivesse dado certo, eu estaria na cadeia, velho.
É uma declaração de sentidos explícitos – pelo tom em que foi dita, pela certeza da impunidade, pelo orgulho da falta de limites. Pela forma como o coronel vê a Amazônia como território a ser invadido e dominado pela força. O que a ditadura fez na Amazônia, tão longe dos centros de poder e das vozes de resistência, e o que fez com os povos indígenas, ainda precisa ser investigado com muito mais profundidade. Os horrores que já foram descobertos podem ser só a superfície. Mas, se o passado pede luz, o presente precisa ser iluminado com urgência.
Há vários entulhos autoritários corroendo nossos dias, como a Polícia Militar (que, se tem uma história anterior ao golpe de 1964, ganhou mais poderes na ditadura e os mantêm na democracia) e o “auto de resistência” (que serve para a polícia justificar a execução de suspeitos ou desafetos). Mas é no olhar tanto sobre a Amazônia quanto sobre os povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas que o Estado autoritário persiste com mais força e menos resistência na mente da maioria dos brasileiros. Persiste da forma mais perigosa, porque traveste como verdade aquilo que é apenas uma imagem a serviço de interesses políticos e econômicos específicos. Talvez em nenhum outro campo o regime de exceção tenha conquistado tanto êxito ao impor seu ideário. E o mantê-lo na democracia.
A ditadura civil-militar enraizou no imaginário dos brasileiros a visão de que a floresta amazônica é um território-corpo para exploração. Se a lógica do explorador/colonizador norteou historicamente a “interiorização” do país, é na ditadura que ela ganha um pacote ideológico mais ambicioso. As peças de propaganda que o regime produziu continuam vivas, mesmo para aqueles que nasceram depois dela, como os slogans “Integrar para não entregar” e “Terra sem homens para homens sem terra”. É na ditadura que é cimentada a ideia da Amazônia como “deserto verde”, ignorando toda a riqueza humana, a diversidade cultural e biológica que lá existia, ignorando a vida. A disseminação dessa fantasia é tão bem sucedida que se torna verdade. E se torna uma verdade que continua verdade após a redemocratização. Tão verdade que cria uma realidade paradoxal: uma ex-guerrilheira, presa e torturada pelo regime, é quem, na democracia, leva adiante o modelo de desenvolvimento da ditadura para a Amazônia.
É primeiro no governo Lula, e com mais força e empenho a partir da posse de Dilma Rousseff, que grandes obras previstas pelos militares, como a hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu – a mais polêmica, mas não a única – são impostas aos povos da floresta. O conturbado processo que forçou a construção de Belo Monte, entre outras arbitrariedades violou tanto a Constituição quanto tratados internacionais. A Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assegura aos indígenas o direito de serem ouvidos em empreendimentos que vão afetar seu modo tradicional de vida – e não foram. Outras hidrelétricas estão em curso, com grande resistência de povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, como as usinas previstas para o rio Tapajós, no Pará.
É nesse governo eleito que a Força Nacional baixa sobre as comunidades tradicionais que vivem há séculos na área dos megaprojetos com a justificativa, entre outras, de garantir a segurança dos pesquisadores que farão o inventário socioambiental. Na prática, é usada para reprimir a resistência legítima desses povos, cujos direitos são amparados pela Constituição. É na democracia que grandes empresas financiadas pelo dinheiro público do BNDES executam obras que alteram o ecossistema regional sem cumprir suas obrigações, na forma de condicionantes, causando estragos irreversíveis e aniquilando vidas, como se viu agora na enchente histórica do rio Madeira.
É também nesse período democrático que um instrumento criado na ditadura, a “Suspensão de Segurança”, tem sido usado para garantir a continuidade dos megaempreendimentos, como foi denunciado no último 28 de março na Organização dos Estados Americanos (OEA). O instrumento permite a tribunais superiores anular decisões judiciais de instâncias inferiores, independentemente do mérito, se as cortes entenderem que as sentenças representam risco de “ocorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas”. O mecanismo controverso tem sido usado para derrubar decisões favoráveis a comunidades afetadas por grandes obras, como Belo Monte e a estrada de ferro de Carajás.
E a maioria dos brasileiros não estranha – ou estranha muito pouco – essa versão do “Brasil Grande” da ditadura que se consolida com outros nomes na democracia. Não decodifica essa violência como violência, não decodifica o autoritarismo como autoritarismo. O mais perigoso é sempre aquilo que não detectamos como perigoso, aquilo que se naturaliza como inevitável – e na Amazônia a violência de Estado tornou-se natureza.
Poderia ser uma surpresa o fato de o mito amazônico forjado na ditadura persistir na democracia. Mas não chega a ser, porque é esse mito, convertido em verdade única, que permite que a Amazônia siga sendo tratada como objeto de espoliação, seja pelo Estado, seja pela iniciativa privada. Um corpo a ser violado, à disposição de exploradores de passagem, sejam eles técnicos do governo, políticos de amplo espectro partidário, grileiros, madeireiros, mineradores e empreiteiros. Quem nesse território permanece, nele nasce, tem raízes e constrói memória torna-se um obstáculo, como os povos indígenas. Um não-ser, como os ribeirinhos e quilombolas, os invisíveis entre os invisíveis. Um obstáculo não ao desenvolvimento, como se repete à exaustão, mas à manutenção desse mito – à continuidade do ideário que legitima, há décadas, a destruição da floresta e dos povos da floresta para acomodar os interesses dos centros de poder.
Esta é uma entre várias razões para que a afirmação de pertencimento dessas populações seja vista como ilegítima, já que a floresta não seria terra para a vida, mas para a exploração e o uso. Como reivindicar a construção de sentidos naquela que é objeto de passagem e de dilapidação? A Amazônia serve ao centro, numa lógica que ainda obedece, na segunda década do século 21, aos preceitos do sistema colonial, na qual a periferia serve à matriz.
Para muitos, incluindo burocratas do governo instalados em ministérios como o de Minas e Energia, a Amazônia é apenas uma fonte de matérias-primas e de energia para as grandes indústrias que produzem para exportação. Tem sido, também, uma fonte de pagamento de compromissos não pronunciados de campanha, na forma de grandes obras financiadas pelo BNDES. A floresta é também aquela que pode ser derrubada para expandir a fronteira agropecuária, num momento em que os ruralistas constituem a maior bancada suprapartidária, em um Congresso que se pauta pela chantagem, e alcançam níveis inéditos de influência em um governo que assegura apoio pela barganha. É ainda uma reserva simbólica para unir o Brasil que a desconhece num ufanismo tortuoso contra “os gringos que querem tomar a Amazônia”. Nada parece mais eficaz do que criar uma ameaça externa para engordar nacionalismos de ocasião, que só favorecem aos mesmos de sempre. Se é disso que se trata, convém perceber que há um tipo de “gringo” que há muito está lá, em megaprojetos de multinacionais que expulsaram as populações locais com o apoio de sucessivos governos. Na ditadura, mas também na democracia.
A Amazônia é devastada em nome de várias manipulações, concretas e simbólicas. Para que continue a servir aos interesses dos centros de poder, é preciso que o modelo de exploração persista. E, para que persista, quando o aquecimento global e a destruição do meio ambiente se tornam temas vitais no mundo, quando a questão da água ascende ao topo da pauta, é preciso forjar novos inimigos. É nesse contexto que os povos indígenas passam a ser vendidos à população, predominantemente urbana do país, como “entraves ao desenvolvimento”. Isso no discurso tanto de setores conservadores da sociedade quanto em falas oficiais de setores do atual governo.
Aqueles que pertencem à terra são convertidos em despertencidos, o sentido mais profundo de “entrave”, para que a Amazônia se mantenha no mesmo lugar de corpo para violação. Em nome de “interesses nacionais”, quando, de fato, o que se mascara como nacional são, historicamente, projetos de poder de grupos políticos específicos e projetos de lucro de grupos econômicos privados. Estes, fazem alianças circunstanciais ou permanentes para manter a lógica de espoliação intacta. Fizeram na ditadura, fazem na democracia. Sem que se estranhe o suficiente, porque a distância da Amazônia não é apenas geográfica. Para compreendê-la é preciso se arriscar à alteridade – e nada mais perigoso para quem quer manter seus privilégios do que experimentar outras possibilidades de estar no mundo.
Os povos indígenas resistem desde 1500, mas nesse século ampliaram sua voz, pelas possibilidades abertas pela internet, e passaram a divulgar suas narrativas múltiplas. Em comum, a resistência ao genocídio que segue em curso e ganhou roupagens mais sofisticadas. É também por isso que os ataques contra esses povos se acirraram, não apenas na forma de agressões físicas e destruição de aldeias, mas nos vários projetos que tramitam no Congresso e que significam, na prática, sua aniquilação física e cultural. Como não é mais possível silenciar a sua voz, é preciso transformá-los em inimigos. O inimigo não se escuta, diga o que disser, porque não lhe é reconhecida a legitimidade para dizer. Esse é o objetivo da bem sucedida propaganda em curso, que coloca os mais de 200 povos indígenas, habitantes também de outros ecossistemas além da Amazônia, como “entraves ao desenvolvimento” do Brasil. Por estarem no caminho das grandes obras, por estarem coletivamente sobre as terras cobiçadas para lucros privados.
Nada é mais autoritário do que dizer ao outro que ele não é o que é. Essa também é parte da ofensiva de aniquilação, ao invocar a falaciosa questão do “índio verdadeiro” e do “índio falso”, como se existisse uma espécie de “certificado de autenticidade”. Essa estratégia é ainda mais vil porque pretende convencer o país de que os povos indígenas nem mesmo teriam o direito de reivindicar pertencer à terra que reivindicam, porque sequer pertenceriam a si mesmos. Na lógica do explorador, o ideal seria transformar todos em pobres, moradores das periferias das cidades, dependentes de programas de governo. Nesse lugar, geográfico e simbólico, nenhum privilégio seria colocado em risco. E não haveria nada entre os grandes interesses sem nenhuma grandeza e o território de cobiça.
Quando alguém, mesmo em círculos letrados, afirma que “sem Belo Monte não vai dar para assistir à novela das oito ou entrar no Facebook”, ou brada que “índio tem terra demais”, está cometendo muitas impropriedades. Mas está também mantendo vivo o ideário da ditadura sobre a Amazônia e os povos da floresta. No momento em que o Brasil disseca o golpe que completou 50 anos, tão importante quanto jogar luz sobre o passado é compreender o que dele permanece entre nós – com a nossa estreita colaboração.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Mais um ataque de pistoleiros contra a comunidade de Pyelito Kue



Na madrugada de 06/04/2014 ocorreu um novo ataque de pistoleiros contra a comunidade indígena Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue. De acordo com informações das lideranças da comunidade, "seguranças” (pistoleiros) da fazenda Cachoeira, município de Iguatemi, armados com revolveres e espingardas de grosso calibre dispararam tiros contra os barracos de lona, enquanto as famílias Guarani e Kaiowá dormiam. Assustados, os moradores de barracos situados nas proximidades da rodovia saíram correndo para fugir dos pistoleiros e, na fuga, uma mulher, Sra. Síria Marcos, acabou caindo e machucando gravemente os braços. As lideranças afirmam que estão de posse de cartuchos e de balas encontradas depois do ataque.
Esta foi a terceira ação violenta de pistoleiros contra a comunidade de Pyelito Kue nos últimos 30 dias. Geralmente estas ações criminosas estão sendo praticadas de madrugada e sempre aos finais de semana. A comunidade tem denunciando as violências à Funai - Fundação Nacional do Índio - e  às Polícias Federal e Civil. No entanto, nenhuma medida protetiva foi adotada no sentido de prevenir e coibir os ataques contra a comunidade indígena. As lideranças afirmaram que estão cansadas de esperar que o governo federal conclua o procedimento de demarcação de sua terra e principalmente cansadas de serem alvejadas por pistoleiros. “Não aguentamos mais, será que nós mesmos vamos ter que tomar a decisão de nos defender com mais força? Será que precisaremos matar ou morrer para que olhem, respeitem e garantam os nossos direitos? Não aguentamos mais tanto sofrimento”.
A comunidade de Pyelito Kue está residindo na antiga fazenda Cambará, às margens de uma estrada vicinal distante aproximadamente 35 km de Iguatemi/MS. No final de 2012, os indígenas divulgaram uma carta afirmando a decisão de resistir em suas terras até as últimas consequências, o que despertou a atenção da opinião pública nacional e internacional. Na ocasião, eles viviam na beira do rio Hovy.
O tekoha Pyelito Kue/Mbarakay foi identificado (por ESTUDOS DE IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO de um Grupo Técnico criado pela Funai) com 41.571 hectares de extensão como sendo de ocupação tradicional dos Guarani e Kaiowá. A terra em demarcação situa-se  na Bacia Iguatemipeguá, próxima a reserva Indígena Sassoró. A fazenda Cambará, que foi retomada em fevereiro pelos indígenas e onde atualmente vivem, é apenas uma das várias propriedades incidentes sobre a área identificada como de ocupação indígena.
As lideranças indígenas, uma vez mais, pedem às autoridades proteção para ficar no seu tekoha (terra sagrada), solicitam agilidade no procedimento de demarcação, e exigem que se realize urgente investigação e punição dos responsáveis pelos atentados criminosos contra a comunidade de Pyelito kue.

A ditadura e os povos indígenas mortos da nação


Ou dos mais de mil, talvez até dois mil, indígenas Waimiri-Atroari, mortos por tiros de metralhadora, talvez até mesmo bombas do Exército, e também por epidemias. Essas atrocidades, por enquanto, estão gravadas nas memórias, e possivelmente em documentos escondidos.

Com a força das palavras é possível reviver momentos terríveis. E é justamente esse sentimento, de reviver o passado, um dos grandes desafios para reconstruir e investigar a brutalidade da Ditadura contra os povos indígenas: de tão fortes as memórias, muitos indígenas preferem não falar. Contar é reviver. Acontece que não são as vítimas que devem sofrer novamente a desgraça que lhes foi imposta, e sim aqueles que perpetuaram os crimes, ou beneficiaram-se desses crimes, que devem ser punidos. Até hoje, nenhum documento fundamental apareceu. Muitos crimes continuam abafados. Nenhum responsável foi punido.

Quando se fala na violência contra os povos indígenas, a primeira cena é na Amazônia. Esse é um dos erros fundamentais na reconstrução da memória da Ditadura. A Amazônia teve um papel estratégico na geopolítica militar e na ideologia do desenvolvimento, mas os violentos processos de expropriação contra os povos indígenas ocorreram por todo o País. Dos Kaingang e Guarani no Sul, aos Yanomami no extremo Norte, os Krenak em Minas.

O projeto racial da Ditadura pregava a violência étnica como meio de expansão do estado-nação, e a violência contra os índios expõe de forma crua como funcionou a associação entre militares e elite civil. O resultado dessa aliança foi o extermínio sistemático, genocídio, etnocídio, e despossessão para a acumulação de riqueza e controle de territórios e recursos. A impunidade desses crimes permanece a regra da anistia, proteção que se estende àqueles que se beneficiaram economicamente desse processo.

Um estudo recente aponta que 1.196 camponeses foram mortos. Não há números relativo aos indígenas mortos, a não ser estimativas que podem variar de forma expressiva. A Comissão Nacional da Verdade já mencionou oito mil indígenas mortos. É possível que tenha sido ainda maior o número de mortos, ou que sejam menos as vítimas. Esse é, em si, um dos grandes erros da revisão: quantificar as vidas perecidas, por maior que seja o número, é sempre uma redução do impacto da violência. O fundamental é que a violência no campo foi brutal, e é a que menos é discutida e revista, onde a ferida permanece exposta.

Em alguns casos, povos inteiros foram exterminados. Isso significa um genocídio total. Hoje se conhece essa possibilidade em função de povos que foram tão violentamente massacrados que não é mais possível que se reproduzam fisicamente. Sobreviveram. É o caso dos Kanoê (restam três pessoas) e Akuntsu (hoje cinco), em Rondônia, dos Piripkura (três), no Mato Grosso, e os misteriosos sobreviventes, um conhecido como "índio do Buraco" (um só), em Rondônia, e outro chamado de Aurê (um só, depois que morreu Aurá), no Maranhão. Nestes dois últimos casos, não se sabe a que povo pertenciam, nem sequer que língua falam. Genocídio completo, total extermínio de duas civilizações. Impunes.

Apenas por um acaso, e pelo fato de serem pessoas extremamente fortes, conseguiram sobreviver. Ainda assim, carregam chumbo no braço, nas costas – como Pupak Akuntsu. Quantos outros povos nessa situação podem não ter sobrevivido? Quantos tiveram seus corpos decompostos em lagoas de fazendas em Rondônia ou no Mato Grosso, como era prática após as ações de extermínios? No caso dos Akuntsu, sertanistas da FUNAI que investigaram o caso em 1986 suspeitam que os corpos dos mortos em um ataque na aldeia tenham sido carregados em caçambas e despejados em uma lagoa na região de Corumbiara. O massacre talvez tenha ocorrido em 1985 ou 1984, no limiar da Ditadura. As fazendas que ocuparam as terras dos Akuntsu haviam sido formadas por grilagem de terras públicas e corrupção no INCRA, em projetos fraudulentos de apropriação de terras públicas.

Grilagem de terras: associação entre militares e empresários

Em um artigo publicado na revista de Estudos Avançados em 2005, a professora da UFPA Violeta Loureiro, junto do pesquisador Jax Pinto, explicam a construção da violência nas disputas de terra na Amazônia durante a Ditadura, e que permanece até hoje na mesma estrutura de concentração fundiária. Quando os militares planejaram a invasão da Amazônia, apenas 1,8% das terras eram desmatadas e ocupadas por pasto e lavoura, e só metade delas tinha título. Hoje, 18% foi transformado em pasto (80% dessa área), soja, lavouras, ou apenas degradado.

O governo organizou mecanismos legais de exceção para atrair empresários, oferecendo incentivos fiscais e terras públicas que eram ocupada por populações inúteis aos olhos dos militares. Essas terras ainda foram demarcadas em extensão muito maior do que a dos lotes que originalmente haviam adquirido.

Um dos exemplos é a Terra Indígena Marãiwatséde, que após a articulação da grilagem organizada por Ariosto da Riva em parceria com o grupo Ometto, a terra transformada no latifúndio Suiá Missu com 695.843 hectares. Apenas no ano passado a terra, demarcada em 1998, foi devolvida aos Xavantes. Sendo que parte das aldeias ficaram de fora da demarcação. No Pará, segundo Loureiro, apenas oito grupos econômicos possuíam quase seis milhões de hectares.

Era preciso expulsar os moradores e criar mecanismos para "regulariza-las". Regularização da grilagem foi uma das medidas da Ditadura. Em 1976, o governo ditatorial, por medidas provisórias (005 e 006), regularizou as terras griladas, oferecendo mecanismos para a Justiça proceder à expulsão. Os índios não foram os únicos prejudicados nesse jogo desigual de força, mas foram os mais brutalmente afetados. Essa permanente política de exclusão.

Uma primeira reconciliação deve ter início com a demarcação das terras – até hoje, a única forma efetiva de garantir a sobrevivência e o cumprimento mínimo de direitos. Desfazer as medidas de exceção que ainda estão em vigor e cumprir a Constituição surgida como uma grande reconciliação, ou seja, completar a transição. Em paralelo, a discussão sobre a anistia é imprescindível, com a punição daqueles que cometeram os crimes, sejam os militares, policiais, agentes do Estado, sejam os privados que se aliaram nos crimes, como pistolagem, torturas, massacres e genocídios.

"Na Amazônia, os direitos humanos, durante décadas, estiveram subordinados aos direitos do capital", escrevem Loureiro e Pinto. Durante a Ditadura foi desenvolvido uma "conivência entre grileiros-empresários-aventureiros e órgãos públicos, especialmente os federais com ação na região". É uma aliança entre "setores/órgãos/funcionários do Estado com empresários/ aventureiros/ grileiros sobreviveu à Ditadura."

Essa conivência e repartição de funções entre o Estado e certos grupos que se beneficiaram é também a origem das milícias privadas e da pistolagem na Amazônia. É uma contradição da Ditadura, onde o violento Estado de Exceção compartilhou o monopólio da violência, da forma caracterizada pelo sociólogo Max Weber. "O Estado repartiu este poder com empresários, políticos e aventureiros os mais diversos, perdendo o controle sobre o exercício da força e da violência física, que passou a ser usada por agentes não legitimados socialmente nem legalmente instituídos." O genocídio dos Akuntsu, Kanoê, Aurê e Aurá, Piripkura, Juma, índio do Buraco, são crimes que se encaixam nessa aliança público-privada de extermínio.

Darcy Ribeiro, no ato contra a emancipação, em 1978, classificou que não há uma "questão indígena": "Não há, propriamente, uma questão indígena. Há uma questão não-indígena. Nós não índios é que somos o problema". E é justamente essa "questão não -indígena" que expõe a brutalidade e a violência da Ditadura e sua aliança com a elite civil. As grandes empresas que se beneficiaram, os grandes empresários, os grileiros de terras, perderão eles, hoje, a terra roubada? Em 2008, Lula assinou a "MP da grilagem" (MP 458), uma segunda anistia política e econômica para aqueles que se beneficiaram das expropriações violentas a mano-militar, dando continuidade as medidas provisórias de 1976. É possível reverter esse território com as demarcações. Muitas foram feitas, após 1988, compondo quase 13% do território nacional. Nas situações onde as demarcações ainda estão pendentes é onde os crimes seguem cotidianos, como o caso dos Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, ou os Tupinambá, na Bahia.

Crimes militares e as "grandes transas"

Crimes praticados por ordens de militares, que incluem torturas e assassinatos, permanecem sem investigação. O Relatório Figueiredo, recentemente exposto, é uma peça fundamental na investigação. Mas nele constam apenas os primeiros quatro anos da Ditadura. A Comissão Nacional da Verdade não escutou nenhum até o momento, ou ao menos não divulgou a informação, nenhum militar envolvido nas denuncias feitas pelos indígenas e organizações – exemplo os possíveis ataques contra os Waimiri–Atroari. Limita-se ao ouvir o drama dos índios, que devem reviver os períodos de violência.

Conscientes da impunidade dos criminosos, alguns povos, como os Waimiri–Atroari, segundo o indigenista José Porfírio de Carvalho, "não querem falar". Outros, como os Parakanã, que foram dizimados por doenças e a transferência forçada em razão da construção da Transamazônica, possuem dificuldade em relacionar as mortes com o contexto político que, na época, não conheciam. "Alguns não tem noção de onde exatamente ocorreu, o que aconteceu, como as mortes estão relacionadas", diz Carvalho. A certeza da impunidade, até que seja revogada a anistia, faz com que alguns povos estejam reticentes com os trabalhos da CNV.

Os números fascinam, chocam, atraem manchetes. A CNV fala em 8 mil indígenas mortos, frente aos 500 oposicionistas ao governo. Números servem para atrair atenção cínica da imprensa, mas representam pouco no universo indígena. Durante a Ditadura, hoje sabe-se que alguns números eram superdimensionados para causar choque e atrair atenção. É possível que os Waimiri Atroari não fossem 3 mil, mas 1.500 pessoas, assim como os Suruí podem ter sido menos do que haviam sido contados. Ou então ainda mais, segundo hoje fala o líder Almir Suruí, que chega a dizer que três mil Suruí pereceram. Calcular o número de mortos e estabelecer fundamentos de punibilidade é um exercício muito mais complexo do que uma breve visita em uma aldeia pode alcançar.

Importantes trabalhos realizados por antropólogos comprometidos com a causa indígena nas últimas décadas mostram o tamanho da complexidade. Refazer a genealogia de mortos exige uma longa pesquisa em parceria com os indígenas. E isso deveria ser feito entre os Awá, os Guajajara, os Kaapor, no Maranhão, em praticamente todos os povos indígenas do Brasil que denunciam terem sido vítimas de crimes. Há crimes fundamentais para serem esclarecidos e que estão impunes, como a morte de Ângelo Cretã kaingang, suspeito de ter sido vítima de um atentado. Hoje, após os trabalhos da Comissão da Verdade, sabe-se que os militares forjaram acidentes, tais como a morte de Zuzu Angel e Juscelino Kubitschek. Por que então Cretã não haveria ter sido vítima de igual estratégia?

A construção da Transamazônica provocou diversos tipos de impactos e violências. Alguns povos, como os Arara, foram dizimados e ainda transferidos de seu território. Os Parakanã foram dizimados e transferidos. Os Tenharim sofreram uma violência tão brutal que as cenas mais recente desse processo surgiram em dezembro passado, com uma revolta racista e genocida da população do entorno tentando massacrar a população, queimando aldeias e o patrimônio público da FUNAI. Cinco indígenas estão presos em um processo em que vários direitos foram suprimidos – como o de serem acompanhados de um advogado para os depoimentos.

A transição foi um período intenso de luta política. A partir de 1978, como Ato contra a Emancipação, a participação indígena no debate sobre as políticas indigenistas cresceu exponencialmente. Novas estratégias, alianças. Cretã foi o primeiro indígena a ocupar um cargo público, em 1978, e hoje há diversos vereadores. Mário Juruna foi o primeiro líder indígena a chegar ao Congresso, onde ocupou um espaço político extraordinário. Ridicularizado pela imprensa não-indígena, Juruna foi fundamental na articulação do movimento indígena nos anos 1980. Após ele, nunca os povos indígenas tiveram novamente algum representante no Congresso Nacional, e apenas pisaram lá para acompanhar, pressionar e tentar impedir o retrocesso de direitos.

Usinas como Foz do Iguaçu, Balbina, Tucuruí, alagaram territórios indígenas. O crescimento econômico aplaudido no editorial da Folha de S. Paulo foi feito com o uso de violência, também, sobre indígenas. Se durante a Ditadura não havia sido possível compensar, de alguma forma, o estrago, agora isso pode ser ao menos minimamente reparado. Fora Balbina, com os Waimiri Atroari, e Tucuruí, com o programa Parakanã, não há outro projeto de compensação decorrente das ações da Ditadura em curso. Os Panará ganharam ação contra o Estado em razão do impacto da abertura da BR 163, e conseguiram retomar suas terras. Essa jurisprudência deveria ser estendida para os Arara, Parakanã, Gavião, Tenharim e tantos outros impactados por essas obras de infraestrutura que beneficiaram poucos bolsos extraindo os recursos do território brasileiro.

A "supremacia branca" estabelecida como classe étnica ditatorial no Brasil também destruiu quilombos e quilombolas. E seringueiros, castanheiros, caboclos, ribeirinhos, populações que se colocaram como "tradicionais" frente ao avanço, populações minorizadas que de maioria viraram as minorias nesse período, e tornaram-se vulnerabilizadas. Assim como os garimpeiros, colonos pobres migrantes, todos tratados como bestas de trabalho da ocupação de terras, as "frentes de expansão" que eram deslocadas, em sentido militar, sobre territórios alheios.

A engenharia social da Ditadura construiu uma sociedade que não se desfez com a promulgação da Constituição, e a resistência se expressou de diversas formas. por exemplo, entre os índios, foi recorrente a utilização da estratégia de "esconder a identidade", tornar-se "caboclo", como era a determinação da política indigenista evolucionista da Ditadura. Como uma antropologia-inversa, os povos indígenas, os quilombolas, os "não-brancos" desenvolveram estratégias de pesquisa e conhecimento do universo branco. Sempre tido como violento, e que deve ser evitado. Conversas e outras formas de compartilhamento de conhecimento foram essenciais nesse processo.

Os Xavante, conhecedores dos warazu (como chamam os "brancos"), construíram uma estratégia particular de relacionamento, desde as guerras até a própria pacificação dos brancos, que eles fizeram, em 1946, com Chico Meireles. Quando as fazendas começaram a invadir o território, a partir de 1974, com a união de diversas aldeias, passaram a reocupar as áreas e a intimidar os fazendeiros. Ainda assim, a Terra Indígena Pimentel Barbosa, por exemplo, foi demarcada menor do que deveria em razão da corrupção de funcionários do governo colocados pela Ditadura. O processo até hoje não foi revisto.

Em alguns casos, as alianças para a resistência e defesa dos índios inclui até mesmo militares. E é possível que militares que tenham defendido povos indígenas tenham sido reprimidos pela Ditadura. Segundo Sydney Possuelo, o coronel Paulo Isaías, em Altamira, havia destacado, em 1980, um pelotão para auxiliar a FUNAI a expulsar invasores da área ocupada pelos Arara, antes do contato. Os índios estavam sendo atacados, e essa medida foi fundamental para evitar a concretização do genocídio. Era uma ação local que ia de encontro com a política de ocupação organizada pelo INCRA.

As polícias civil, militar e federal, também aliaram-se aos anti-indígenas. Há denuncias não investigadas de sistemáticas torturas entre os Guajajara no Maranhão. No final dos anos 1970, o sertanista Porfírio de Carvalho denunciou a prática, que era feita pelo Exército e pela Polícia Federal. Ameaçado, foi transferido para o Acre. Os Guajajara seguiram sofrendo a brutalidade do exército e das polícias. Nenhum documento sobre esses crimes foi, até o momento, acessados.

Darcy Ribeiro debruçou-se por anos nos arquivos do SPI e em campo para investigar a violência contra os índios na primeira metade do século passado. O resultado virou o livro Os Índios e a Civilização. Ribeiro identificou 87 povos que teriam sido exterminados entre 1910 e 1957 – é possível, no entanto, que alguns destes tenham sobrevivido e sido reencontrados, mais tarde, pela Ditadura, como os Arara. Já a segunda metade do século é composta de diversos trabalhos de denúncias, e muitas páginas em branco. Como reconstruir essa história sem reproduzir a violência racista contra os indígenas é um desafio. Incluir os próprios indígenas na Comissão da Verdade é o fundamental.

A violência contra os povos indígenas durante a Ditadura merece uma investigação muito mais profunda do que vem sendo conduzida, que deve igualmente atingir àqueles que se beneficiaram do Estado de Exceção às custas do sangue e expropriação. Completar a demarcação das terras é sem dúvida a primeira ação a ser feita nesse sentido – o que deveria ter sido concluído nos cinco anos posteriores à promulgação da Constituição. Aprender com o passado também significa incluir os povos indígenas como protagonistas nos projetos que impactem seus territórios, um desafio ao neodesenvolvimentismo em curso. Nesses casos, não apenas adia-se a possibilidade de uma reconciliação nacional, como abre-se cada vez mais a ferida exposta.

*Felipe Milanez é pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Escreve sobre meio ambiente, conflitos sociais e questões indígenas. É também pesquisador visitante na Universidade de Manchester e integra o European Network of Political Ecology (Entitle).
**Título original: STF garante direitos constitucionais indígenas

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