Uma caravana indígena levará à cúpula Rio+20 o “bem viver” –
equilíbrio entre as comunidades humanas e a natureza – como remédio para
as crises ambiental e econômica.
Uxbridge, Canadá, 11 de
junho de 2012 (Terramérica).- Delegados indígenas da América do Sul se
integram, a pé, em lanchas ou ônibus, à Caravana Kari-Oca, que os levará
à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a
Rio+20, onde esperam interpelar os governantes do mundo.
“Representaremos milhares de comunidades aborígines da América do Sul”,
disse ao Terramérica o líder huaorani Moi Enomenga, momentos antes de
tomar em Quito o ônibus que demorará nove dias para chegar ao Rio de
Janeiro, sede da Rio+20.
Outros dirigentes indígenas se unirão a
eles durante a viagem. Os huaoranis são um povo amazônico que habita o
leste do Equador, em uma área de exploração petrolífera. A Rio+20 se
apresenta como um espaço intergovernamental para adotar soluções para a
crise mundial de sustentabilidade, que se manifesta no reiterado
fracasso da economia globalizada, na carestia de alimentos, nos
problemas energéticos e nos males ambientais globais, como a mudança
climática e a perda de biodiversidade.
“Nós, indígenas, estivemos
divididos durante anos. Agora vamos nos unir”, declarou Moi, que nasceu
em uma comunidade sem contato com o mundo ocidental, ou em isolamento
voluntário, e atualmente preside a Associação Quehueri’ono. “Nem todos
podem ouvir a voz que chega da Mãe Terra vinda da selva, e queremos
levar essa voz ao Rio”, acrescentou. De 14 a 22 deste mês acontecerá a
Cúpula Mundial dos Povos Indígenas sobre Territórios, Direitos e
Desenvolvimento Sustentável na aldeia Kari-Oca II, especialmente
construída por indígenas brasileiros a cinco quilômetros da sede da
conferência oficial.
“Kari-Oca” é uma palavra tupi-guarani que
significa “casa de branco”. Assim se referiam os indígenas da região
onde hoje se encontra a cidade do Rio de Janeiro às primeiras
urbanizações dos colonizadores portugueses. Daí a palavra “carioca”,
gentílico dos habitantes do Rio, onde há duas décadas aconteceu o
encontro na primeira aldeia Kari-Oca, paralela à Cúpula da Terra de
1992. O Comitê Intertribal do Brasil, organizador do encontro, prevê a
participação de aproximadamente 600 indígenas de todo o mundo, que
prepararão uma mensagem e recomendações para o encontro de alto nível da
Rio+20, que ocorrerá entre os dias 20 e 22.
“A situação dos povos
indígenas no mundo me preocupa”, ressaltou Moi. Em todas as partes, os
governos ignoram seus direitos. E em todas as partes, Índia, África,
América do Sul, estão à caça do petróleo e de outros recursos,
acrescentou. Hortencia Hidalgo Cáceres, uma aymara chilena que integra a
Rede de Mulheres Indígenas sobre Biodiversidade da América Latina e do
Caribe, afirmou ao Terramérica que “é necessária uma mudança real.
Queremos convidar o mundo para um futuro mais brilhante, baseado nos
valores e princípios indígenas do bem viver”.
Oposto à ideia
ocidental de “viver melhor” – o crescimento econômico traz consigo o
progresso e este leva à eliminação da pobreza –, o bem viver propõe o
equilíbrio e a cooperação entre as comunidades humanas e sua integração
com a natureza, da qual se retira o necessário para uma vida digna, sem o
afã de acumular. Por outro lado, a “economia verde”, que muitas nações
querem plasmar no documento final da Rio+20, representa uma “falsa
solução” para a crise de degradação ambiental e injustiça social,
ponderou Hortencia.
Para Casey Box, coordenador de programas da
organização não governamental Land is Life (Terra é Vida), “os povos
indígenas têm muito a oferecer à comunidade internacional, que tenta
abrir caminho para um desenvolvimento verdadeiramente sustentável”. A
Land is Life, com sede nos Estados Unidos, é uma coalizão internacional
de comunidades autóctones que arrecadou fundos e ajudou a coordenar a
caravana e a cúpula. Segundo Casey, “será impossível alcançar os
objetivos da Rio+20 sem os conhecimentos tradicionais e as práticas de
manejo de recursos dos indígenas”.
Estima-se que da Rio+20
participarão cerca de 50 mil pessoas, entre elas 130 chefes de Estado e
de governo. Da antecessora, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, também conhecida como Cúpula da
Terra, surgiram os três dos principais tratados ambientais: as
convenções sobre mudança climática, biodiversidade e desertificação.
Mais de 700 povos indígenas participaram da primeira cúpula Kari-Oca, em
1992, que originou um movimento internacional pelos direitos dos povos
indígenas e colocou em evidência o papel dessas comunidades na
conservação e no desenvolvimento sustentável.
“Nos emociona ir ao
Rio porque há um espaço para os povos indígenas, onde poderemos falar
sobre nossas preocupações e compartilhar nossos conhecimentos e nossa
experiência”, destacou Hortencia. Participantes procedentes da austral
Patagônia chilena precisarão percorrer 60 horas de estrada até La Paz,
na Bolívia, onde se reunirão com Moi e outros delegados que iniciaram a
viagem no Equador, passando pelo Peru. A caravana Kari-Oca demorará
cerca de cinco dias para percorrer o último trecho dos Andes e
atravessar Bolívia, Paraguai e o sul do Brasil até chegar ao Rio de
Janeiro, às margens do Oceano Atlântico.
Os indígenas estão
ansiosos para participar porque somente nessas reuniões internacionais é
que têm a oportunidade de serem ouvidos pelos governantes e pelo
público em geral, explicou Hortencia. “Quando voltamos para casa, essas
portas estão fechadas”. Moi e os demais equatorianos esperam que os
governos respeitem mais os direitos e pontos de vista de suas
comunidades. “Perto de onde vivo existem duas comunidades não
contatadas, mas estão ameaçadas pela exploração petrolífera, eles não a
querem. Para eles, tirar petróleo do solo é como tirar o sangue de seus
corpos”, apontou. Os delegados também esperam denunciar iniciativas
governamentais que consideram nocivas.
Gloria Ushigua, presidente
da Associação de Mulheres Záparas, afirmou que o Programa Sócio
Floresta, do Ministério do Meio Ambiente do Equador para combater o
desmatamento, causa muitos problemas para as comunidades locais. A nação
zápara habita o leste da província de Pastaza, no oriente amazônico
equatoriano. “Tenho a esperança de compartilhar a história da minha
comunidade e de debater sobre os direitos territoriais”, manifestou
Gloria em um comunicado.
Na caravana também viaja Celso Aranda do
povo kichwa de Sarayaku, outro território de Pastaza, que na cúpula
apresentará a proposta “Kawsak Sacha” (Floresta Vivente). Esta será a
resposta do Sarayaku à mudança climática e à destruição da natureza, e
detalhará a forma como as comunidades nativas podem proteger os
ecossistemas, mantendo práticas ancestrais de manejo da terra. “Vamos
continuar trabalhando para fortalecer nossas culturas e resistir à
exploração de nossos territórios. Temos uma mensagem muito clara. Deixem
tudo sob a terra”, resumiu Moi.
* O autor é correspondente da IPS.
Fonte: envolverde.com.br
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