segunda-feira, 18 de junho de 2012

Falta comida para indígenas na Rio+20

Em meio a danças tribais, competições esportivas e a venda de artefatos, os indígenas de todo o mundo acampados desde o dia 13 na Aldeia Kari-Oca, Zona Oeste do Rio, sofrem com a falta de recursos básicos para o dia-a-dia, como água potável e comida. Segundo Yamapuiuka Maiorá, do Alto Xingu, a distribuição de refeições é escassa e muitas vezes é preciso juntar dinheiro entre os membros para ir ao supermercado.
“A comida e a água são distribuídas apenas duas vezes por dia e só começam no final do dia. As filas são muito longas. Algumas tribos se juntam para comprar comida, mas a gente não tem dinheiro, então, temos que ficar esperando mesmo. Ontem (sábado, 16) só fomos comer às 4 da tarde”, contou uma índia da etnia Bororo Boe, que não quis se identificar.
Cerca de 20 tribos de todo o mundo se reúnem no local até o próximo dia 22, para acompanhar as reuniões da Rio+20. Representantes pretendem entregar um documento oficial de reivindicações na próxima segunda-feira, 18, assinada por diversos membros. A Kari-Oca é organizada pelo ITC (Comitê Intertribal) e pela ONG Land is Life, com financiamento do Ministério dos Esportes.
Apesar do orçamento, estimado em cerca de R$ 1,5 milhão, moradores que vivem ao redor do local relataram que mulheres e crianças pediram dinheiro aos visitantes.  O biólogo Gustavo Ayres, que foi ao local no Domingo, 17, afirmou que uma família pediu a ele comida e agasalhos.
“Elas me falaram que falta água, que não tem higiene básica, que a comida é pouca e insuficiente. As crianças estão passando frio lá, é um absurdo o que estão fazendo com eles. Os índios têm pedido dinheiro para comprar comida, vi diversas crianças lá comendo biscoitos industrializados, que não tem nada a ver com a vida e a cultura deles”, relatou.
Segundo a assessora de imprensa do ITC, Maíra Ellukê, os problemas de comida são apenas logísticos, já que a quantidade de pessoas é grande, o que acaba criando filas. Disse ainda que a água tem distribuição ilimitada e afirmou que tanto os chuveiros quanto os banheiros funcionam perfeitamente.



Problemas também na Cúpula dos Povos
Problemas de alimentação também aconteceram com os índios reunidos na Cúpula dos Povos, evento paralelo ao Rio+20 que acontece no Aterro do Flamengo. Neste domingo, 17, diversos membros não puderam comer, pois as refeições que chegaram para atender aos participantes estava estragada.
Reivindicações
Em uma das últimas reuniões antes da apresentação do documento final de reivindicações, chamado “Carta Indígena da Kari-Oca”, representantes de diversos países tentavam chegar a um consenso. “Precisamos dizer de maneira firme aos representantes da ONU que não temos interesse em vender nossas terras, em mercantilizar nossos bens materiais”, discursou uma das integrantes do comitê.
Em meio a palavras veementes sobre as condições cada vez mais degradadas do meio ambiente, uma crítica ao movimento verde. “Existem diversas questões nesta discussão que nos incomodam, como a de capitalizar a terra, de fazer negócios a partir da terra. Querem compensar os excessos dos brancos com a nossa terra”, discursou outra representante.  Três organizadoras da reunião, emocionadas, se abraçaram. Vinte anos depois da primeira Kari-Oca, sentiram que finalmente era hora de mudar.
“O problema deste documento é que não existe ninguém de peso que vá assiná-lo, que vá realmente lutar pelas causas indígenas. Eu acredito que este papel já vem pronto pelas ONGs e organizações financiadas pelo governo. E ninguém vai lutar pelos índios que realmente estão sofrendo”, esbravejou o geólogo José Domingues, professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), enquanto conversava em uma tenda de comida fora do evento, depois de ter visitado o local.
Porém, os representantes dos povos das Filipinas, Estados Unidos, Brasil, dentre outros, acreditavam em uma mudança efetiva. O impedimento na entrada de diversos membros nos eventos oficiais da Rio+20 foi criticado pelos participantes. "Somos proibidos de caminhar livremente em nossa terra-mãe", comentou o índio Tom, da América do Norte. "Existem casos de alcoolismo e prostituição onde eu moro, pois vendem e limitam nossas terras. Mas aqui, vendo, fico otimista com o nosso futuro, temos muita força unidos", finalizou.
Nadia Villa-Lobos, do Chile, chegou na aldeia no último sábado, 16, também reclamou de algumas discussões em torno da chamada "economia verde", que acontecem nos galpões do Riocentro. "Muitas questões que estão discutindo na reunião, não concordamos, viemos aqui para a aldeia exatamente para lutar pelos nossos direitos, com os nossos representantes", contou.
O documento da Kari-Oca será entregue durante a Conferência dos Indígenas, que deverá receber mais de 1,5 mil índios. Junto com o documento da aldeia, uma outra reunião em defesa da causa acontece paralelamente pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), que também deverá apresentar documento na segunda-feira, 18.
Participam das reuniões as etnias brasileiras Xerente, Bororo Boe, Kayapó, Karajá, Pareci, Assurini, Xavante, Guarani, Pataxó, Terena, Javaé, Kamayurá, Manoki e Guarani Kaiowá.
A Aldeia Kari-Oca
Localizada em meio a Mata Atlântica, na colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, a aldeia conta com duas grandes ocas e diversas cabanas, que espalhadas abrigam cerca de 80 índios, sendo que mais de mil são esperados por lá até o final do evento. O chão, de terra batida, é dividido com os produtos artesanais expostos aos turistas, um campo de futebol e uma sala multimídia, com acesso a internet.

Em meio aos turistas que lotam o espaço, as crianças que moram no bairro interagem com as meninas e meninos acampados no local, que muitas vezes nem falam português. São brincadeiras de bola, futebol, corda e ciranda, sem que se note qualquer barreira cultural. Juliana, de 8 anos, contou que desde o início do acampamento vai ao local brincar. A dona de casa Carmem Lúcia acredita que a aproximação com a cultura nativa é muito importante.
"Achei o evento muito bom, é necessário mostrar a cultura do povo que está aqui na nossa terra desde sempre, a gente precisa conhecer, gostei muito da iniciativa do evento", falou.
Perto das cabanas, as mulheres que preparavam o típico beiju e peixe na fogueira, reclamavam das condições do local. As crianças reunidas chamaram atenção dos turistas, que disparavam os flashes de suas câmeras impiedosamente. A cultura fundadora das Américas se tornou exótica e distante para os brasileiros.
A quadra, mais tarde, ainda foi utilizada para preparação para os Jogos Indígenas, que deverão ocorrer oficialmente em 2013 aqui no Rio de Janeiro. O arremesso de lança animou a plateia, que vibrava junto com os praticantes.
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