Mulheres pretas, pardas e indígenas
são a maioria entre os 5,3 milhões de jovens de 18 a 25 anos que não
trabalham nem estudam no País, a chamada "geração nem nem". Cruzamento
de dados inédito feito pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos
(Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a pedido da Agência Brasil,
revela que elas somam 2,2 milhões, ou seja, 41,5% desse grupo. Do total
de jovens brasileiros nessa faixa etária (27,3 milhões), as negras e
indígenas representam 8% - enquanto as brancas na mesma situação chegam a
5% (1,3 milhão).Para o coordenador do
levantamento, Adalberto Cardoso, que fez a pesquisa com base nos dados
do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), várias razões explicam o abandono da educação formal e do
mercado de trabalho por jovens. Entre elas, o casamento e a necessidade
de começar a trabalhar cedo para sustentar a família. Cerca de 70% dos
jovens "nem nem" estão entre os 40% mais pobres do País. A gravidez
precoce é o principal motivo do abandono, uma vez que mais da metade das
jovens nessa situação têm filhos.É o caso de Elma
Luiza Celestina, 24 anos, moradora da Estrutural, na periferia de
Brasília. A jovem deixou de estudar aos 16 anos, com o nascimento do
primeiro filho. Ela continuou frequentando as aulas até terminar o 6º
ano do ensino fundamental, mas engravidou novamente meses depois. Com
isso, precisou adiar a volta às salas de aula. Desde então, dedica-se
quase exclusivamente aos filhos, conseguindo, raramente, alguns bicos
como faxineira. Há sete meses, no entanto, quando o terceiro filho
nasceu, não assume nenhum compromisso profissional e vive com
dificuldade financeira."Como só tenho o 6º ano, não
conseguia coisa muito boa, que ganhasse um bom dinheiro. Era mais para
fazer faxina mesmo. Mas, agora, não tenho como (trabalhar). Com três
filhos é difícil sair para fazer qualquer coisa."Elma
vive apenas com a ajuda da mãe, 57 anos, para sustentar as três
crianças. Os dois ex-maridos estão presos e não podem reforçar a renda
da casa. "O problema é que agora ela (minha mãe) também não está podendo
trabalhar, porque está com problema no joelho. E, sem a ajuda dos pais
das crianças, está bem difícil", conta a jovem que não consegue fazer
planos para o futuro."Se eu quiser coisa melhor,
tenho que voltar a estudar, mas não sei se vou conseguir, porque com
esses filhos todos como vou fazer?", disse. Ela acredita que engravidou
cedo por falta de orientação familiar. "Minha mãe não sabe nem escrever,
não tinha como me orientar. Eu acabei engravidando, não me cuidei e
engravidei de novo."A gravidez na adolescência
também levou Lucineide Apolinário a abandonar os estudos. Aos 25 anos, a
moradora da Estrutural está grávida do quarto filho e, sem ter com quem
deixar as crianças, desistiu de trabalhar. O atual marido, que é pai
apenas do bebê que ainda vai nascer, é ajudante de obras e, mesmo sem
ter emprego fixo, assume sozinho as despesas da casa. O primeiro marido
morreu há cerca de dois anos. A jovem cursou até a 7º ano do ensino
fundamental e lamenta o casamento e a gravidez precoces."Parei
de estudar por causa das crianças. Casei aos 15 anos, arrumei filho
muito cedo e veio um atrás do outro. Estava apaixonada, era ilusão de
adolescente. O problema é que sobra muito para a mulher. A gente tem que
se dividir em mil para dar conta dos filhos e da casa e não consegue
pensar na gente", diz.Enquanto se prepara para dar à
luz a mais um menino nos próximos dias, Lucineide diz que sonha em
retomar os estudos "algum dia". Ela espera que os filhos tenham uma
história diferente da sua. "Ainda vai demorar um pouco, mas algum dia eu
volto a estudar. Para conseguir um emprego melhor tem que estar pelo
menos no 1º ano (do ensino médio) e eu quero voltar a trabalhar para
poder dar um futuro melhor para os meus filhos, uma história bem
diferente da minha", diz.Moradora do Morro do
Juramento, na zona norte do Rio de Janeiro, Jéssica Regina Martelo, 22
anos, parou de estudar no 6º ano, quando passou a achar a escola menos
interessante do que a vida real. A jovem conta que "era chato" ir à
escola e que preferia ficar com as amigas. Órfã de pai e mãe, ela foi
criada pelas irmãs e teve a primeira filha aos 17 anos. Envolvido com o
tráfico, o companheiro morreu assassinado logo depois do nascimento da
menina. Como não pôde contar com o apoio do pai da criança, acabou tendo
que trabalhar para se sustentar. Aos 19 anos,
Jéssica teve a segunda filha, da união com Jony Felipe Coli, 24 anos,
que também não estuda e já tinha dois filhos ao conhecê-la. Ele também
não tem emprego formal tampouco estuda, embora cuide dos filhos do
relacionamento anterior e que agora fazem parte da nova família. Para
sustentar a casa, Jéssica faz bico. "Prefiro ser manicure por conta
própria porque tenho mais tempo para cuidar das meninas e o dinheiro
fica comigo e com elas, não com o salão."Além da
gravidez, outro fator de peso para o abandono da escola, segundo o
pesquisador da Uerj, é a falta de perspectiva de vida de jovens pretos,
pardos e indígenas, maioria nas escolas públicas, em geral, de menor
qualidade. Ele acredita que o estímulo à educação é fundamental para
mudar a realidade desse grupo."Uma coisa perversa
no sistema educacional do Brasil é o fato de pessoas deixarem a escola
porque não têm a perspectiva de chegar ao ensino superior", diz. "As
ações afirmativas são importantes por isso. Têm o efeito de alimentar
aspirações de pessoas que viam a universidade como uma barreira, mas que
vão se sentir estimuladas a permanecer no ensino", destaca.Ao
analisar os dados do levantamento, a professora da Universidade Federal
da Bahia (UFBA) Rosângela Araújo diz que é preciso entender o que está
por trás do comportamento das meninas. "Não é falta de informação. Tenho
certeza de que a maioria conhece um preservativo. Mas tem uma questão
da mudança de status, de menina para mulher. Elas podem não ver (o
abandono escolar) como um passo atrás, mas no futuro, pode pesar."Segundo
o levantamento, embora a taxa de jovens da "geração nem nem" no Brasil
seja considerada alta (19,5% do total de pessoas de 18 a 25 anos), o
índice não está distante do verificado em países com características
demográficas semelhantes onde é comum que a mulher deixe de trabalhar e
estudar para se casar. É o caso da Turquia e do México, segundo estudos
da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE),
citados pelo pesquisador da Uerj.A pesquisa também
identificou entre os "nem nem" jovens com deficiência física grave e os
que saíram da faculdade, mas ainda não estão empregados. Os dados
completos constam do estudo Juventude, Desigualdade e o Futuro do Rio de
Janeiro, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio
de Janeiro (Faperj) e deve ter um capítulo publicado em 2013.
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