segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Com celulares à mão, índios, retratam pela 1ª vez suas famílias





A índia Rosy Benites, de 19 anos, registra, a pedido do GLOBO, a imagem da avó, Tereza Martins, xamã guarani que, aos 78 anos, nunca teve uma foto
Foto: Michel Filho / O Globo


A índia Rosy Benites, de 19 anos, registra, a pedido do GLOBO, a imagem da avó, Tereza Martins, xamã guarani que, aos 78 anos, nunca teve uma foto Michel Filho / O Globo
Em DOURADOS (MS),  Tereza Martins, ou, em sua língua, xamã Kaiowá, teve um olhar diferente, desconfiado, quando se viu, pela primeira vez, na tela de uma câmera digital. Logo depois, abriu um sorriso e avaliou:
— Sou bonita.
Aos 78 anos, a xamã guarani nunca tinha tirado uma foto. Na penumbra de sua casa de rezas, na aldeia de Dourados, no Mato Grosso do Sul, quem faz o retrato é Rosy Benites, sua neta de 19 anos, a pedido da reportagem do GLOBO. A garota aprendeu a fotografar em uma oficina de imagem promovida pelo grupo Ação dos Jovens Indígenas (AJI), um movimento que tenta reforçar a identidade e a autoestima dos adolescentes guaranis. Juntou R$ 300 e comprou sua própria máquina em Ponta Porã, vizinha do Paraguai.
Ali, em Dourados, vivem mais de 11 mil índios, em uma reserva próxima à cidade. Rosy mora na aldeia. É estudante, não tem computador ou internet. Vai à cidade para “descarregar” as fotos em um e-mail, usando os serviços de uma lan-house. Vez ou outra, publica as imagens em sua página no Facebook.
— O que eu gosto mesmo é de fazer fotos de natureza, do que temos aqui. Ainda não tinha feito foto dela — diz a garota.
Dona Tereza fala guarani. A neta e Indianara Machado, da AJI, ajudam na tradução:
— A imagem cria uma fortaleza interior, engrandece as pessoas. Com as fotos, os índios estão se fortalecendo por dentro — fala a xamã, para quem essa fortaleza acaba por vencer o temor, reforçado nas cultura indígenas, de que uma foto possa capturar suas almas:
— Só de animal é que não pode fazer foto. Senão ele morre.
Com a máquina na mão, Rosy confirma a teoria da avó.
— Só faço foto de bicho se não gosto dele — diz, rindo.
A fotografia é algo novo naquela família. Rosy não tem fotos de nenhum de seus ancestrais. O que sabe é o que a avó conta. Os olhos de dona Tereza são claros, parecidos com os do bisavô de Rosy. E dona Tereza tem de fechá-los para poder lembrar dos pais, da vida de criança.
A anciã vai até sua casa e volta com uma roupa de cerimônia. Segura os paramentos de reza e diz que gostaria de ser lembrada pelos parentes com a indumentária usada quando canta nas festas da casa de rezas:
— Quero que a aldeia se lembre de mim assim.

O GLOBO

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