O informe de 2012 da Anistia Internacional sobre direitos humanos
destacou preocupação em relação às comunidades indígenas
submetidas a discriminação, ameaças e violências envolvendo
disputa de terras no Brasil. A situação mais grave, de acordo com a
ONG, não está na Amazônia, onde projetos de infraestrutura como a
usina hidrelétrica de Belo Monte já afeta a vida da população
local, mas sim no Mato Grosso do Sul. Na região, a lentidão no
processo de demarcação de terras indígenas expõe as comunidades a
um “alto risco de violações dos direitos humanos”.
Levantamento do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) mostra que
cerca de 1.200 famílias estão hoje acampadas à beira de rodovias à
espera da restituição de suas terras na região. A situação levou
a uma série de episódios violentos patrocinado por grupos armados
durante todo o ano de 2011, lembrou a Anistia Internacional.
A Anistia Internacional lembrou que, em setembro último, homens
armados usaram caminhões, fizeram disparos com balas de borracha,
incendiaram barracos e espancaram os moradores de Pyelito Kue.
“Diversas pessoas, inclusive crianças e idosos, ficaram gravemente
feridas no ataque, que foi descrito pelo Ministério Público Federal
como configurando genocídio e formação de milícias rurais.”
Em novembro, 40 pistoleiros, muitos deles encapuzados, atacaram o
acampamento de Guaiviry, próximo à fronteira com o Paraguai. Eles
atiraram no cacique Nísio Gomes e levaram seu corpo em uma
caminhonete. O destino do líder indígena ainda era desconhecido.
O relatório destaca ainda a condenação por formação de
quadrilha, tortura e sequestro de três homens acusados de matar o
líder Guarani-Kaiowá Marcos Veron, espancado até a morte em 2003.
A ONG lembra também que grupos de homens armados vêm ameaçando e
atacando repetidamente uma comunidade de 125 famílias Guarani-Kaiowá
em Pyelito Kue depois que os índios reocuparam suas terras
tradicionais no município de Iguatemi (MS).
“Essa situação é uma vergonha para todos
nós”, define o diretor-executivo da Anistia Internacional no
Brasil, Atila Roque.
Embora mais grave, a situação em Mato Grosso do Sul não tem
sensibilizado a opinião pública da mesma forma como a dos indígenas
afetados por obras de infraestrutura na Amazônia. “Eles vivem numa
fronteira já muito deteriorada do ponto de vista da preservação do
próprio território, uma área de muita disputa. É como se houvesse
um silêncio em torno deles”, afirma Roque.
Outro agravante é a proximidade com a fronteira agrícola e o baixo
controle do poder público sobre esses interesses privados
(representados em diversas instâncias do poder, enquanto a população
indígena segue subrepresentada politicamente).
“O Brasil possui um sistema político que gera
um padrão de representação deficitária, que não garante a
presença de diferentes populações. Isso vale uma discussão mais
ampla sobre como política se financia e também o sistema de votos.
Mas é um debate que o Brasil tem dificuldade de fazer porque o
status quo se beneficia desse modelo.”
Outra dificuldade, segundo Tim Cahill, pesquisador de Brasil da
Anistia Internacional, é a baixa participação desses povos na
definição das politicas voltadas a eles e também a falta de acesso
ao sistema de Justiça aos indígenas. Para Cahill, a situação do
Mato Grosso do Sul não é difícil de resolver, pois as áreas
indígenas são pequenas em relação a outros, como a Raposa Serra
do Sol. “É uma população pequena e ameaçada pela violência e
pela pobreza devido ao impacto da indústria da cana-de-açúcar, que
os tira da terra e ainda os empurra a trabalhar nas plantações em
condições degradantes. Isso poderia ser resolvido se houvesse
vontade do governo em negociar com os latifundiários do estado e
comprar essas terras para os indígenas. O governo diz que está
fazendo isso e tentando arranjar uma solução.”
Apesar da situação no Mato Grosso do Sul, a Anistia Internacional
considera que o Brasil possui hoje um arcabouço jurídico avançado
em relação à preservação dos direitos indígenas. O problema,
diz Cahill, é a implementação destas leis.
“Há um processo novo de expansão econômica
que não está somente ameaçando o direito das populações, mas
está levando a rever essa legislação [de defesa dos índios e
demarcação de terras] com processos no Congresso”, afirma.
Além da situação na fronteira, a Anistia Internacional emitiu no
documento uma série de alertas sobre o impacto de
megaempreendimentos na vida de populações vulneráveis. A ONG
lembrou que em outubro do ano passado a presidenta Dilma Rousseff
expediu um decreto “para facilitar o licenciamento ambiental de
grandes empreendimentos econômicos” que afetam as terras de
comunidades indígenas ou quilombolas.
“O Brasil precisa reconhecer os direitos
destes povos e garantir que sua expansão econômica não seja feita
à custa da vida deles”, diz Cahill.
Sobre Belo Monte, o relatório destaca a recusa do Brasil a acatar
medidas cautelares sobre o projeto determinadas pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos para proteger a saúde e a
integridade da população local. “O Brasil, que tem uma tradição
no apoio e valorização dos espaços multilaterais, reagiu mal”,
lamenta Atila Roque.
A Anistia demostrou preocupação também com a situação de
ativistas rurais e lembrou a morte do casal ambientalista José
Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, assassinados a
tiros há exato um ano por pistoleiros no município de Ipixuna, no
Pará. Eles denunciavam as atividades ilegais de madeireiros,
fazendeiros e produtores de carvão da região. Apesar da prisão de
um mandante e dois supostos executores, as ameaças contra os
familiares das vítimas permanecem na região.
A ONG destaca ainda a atuação de grupos de extermínio e milícias
que no ano passado mataram a juíza Patrícia Acioli com 21 tiros em
frente de sua casa em Niterói, região metropolitana do Rio de
Janeiro, e casos de tortura e maus-tratos nas superlotadas
penitenciárias brasileiras, que hoje abrigam 500 mil internos –
dos quais 44% ainda esperavam julgamento.
Há um destaque para o risco de remoções forçadas de moradores nas
grandes cidades para dar espaço às obras da Copa do Mundo de 2014.
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