Dirigentes indígenas arrancaram do governo do Peru a promessa de
que a primeira consulta prévia sobre atividades em territórios
ancestrais acontecerá em um dos sítios petrolíferos mais contaminados da
Amazônia.
Iquitos e Lima, Peru, 3 de setembro de 2012
(Terramérica).- O Peru estreará o mecanismo de consulta prévia aos povos
indígenas submetendo à sua consideração uma nova fase de operações no
lote petroleiro 1AB da região de Loreto, no extremo nordeste da Amazônia
peruana. Dirigentes indígenas ainda desconfiam do anúncio, pois na zona
permanecem há décadas os passivos da indústria do petróleo.
Da
boca aberta de um jaguar pintado no muro sai uma frase que é como um
grito: “Não poderás comprar meus rios nem minha alegria”. No fundo
aparece a floresta, o Sol, o rio, crianças, mulheres e homens. A imagem,
que cobre a fachada do escritório da Organização Regional dos Povos
Indígenas do Oriente (Orpio), na cidade de Iquitos, resume bem a defesa
ambiental que os líderes nativos empreenderam nos últimos anos.
Iquitos
é a capital de Loreto, onde a exploração de petróleo já tem 40 anos.
Dirigentes indígenas de quatro bacias hidrográficas da região, que fazem
parte da Orpio, descreveram ao Terramérica os prejuízos que essa
indústria deixou em suas comunidades e no meio ambiente. “O Estado nos
ignora e não exige cumprimento pelas empresas. Se um pai abandona seu
filho, quem tem de pagar por esses danos? O pai, o Estado. E em segundo
lugar a empresa”, declarou David Chino, vice-presidente da Federação
Indígena Quechua del Pastaza.
Chino, do povo quechua, esteve em
Lima na última semana de agosto, junto com outros três “apus” (líderes)
para se reunirem com autoridades do Congresso e do Poder Executivo,
representando as comunidades das bacias dos rios Pastaza, Corrientes,
Tigre e Marañon. No dia 27, os indígenas conseguiram que uma comissão
multissetorial, encabeçada pela Presidência do Conselho de Ministros,
aceitasse realizar uma consulta antes de ser assinado um contrato com os
novos operadores do lote 1AB, que atualmente está em mãos da empresa
estrangeira Pluspetrol Norte.
Será a primeira consulta a ser
aplicada em cumprimento do Convênio 169 sobre Povos Indígenas e Tribais
em Países Independentes, da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
que deu lugar a uma lei e a uma regulamentação para sua aplicação em
casos de projetos em territórios nativos ancestrais. Além disso, nos
dias 6 e 7 deste mês, técnicos do Estado visitarão a região de Pastaza
para avaliar o grau dos danos, informaram os dirigentes ao Terramérica.
A
contaminação de Loreto se concentra em torno dos lotes 1AB e 8. Segundo
um informe divulgado em julho por um grupo de trabalho do Congresso que
percorreu a região, em algumas áreas das quatro bacias o grau de
toxidade é tão alto “que seria inútil o uso da biorremediação para
degradar o petróleo”. Em agosto os indígenas que trabalham como
monitores ambientais informaram 25 passivos ambientais não remediados no
lote 1AB, 17 deles no Rio Tigre, dois no Corrientes e seis na bacia do
Pastaza. No lote 8 foram detectados nove passivos na bacia do
Corrientes.
No mês passado, a estatal Petroperu informou que o
governo convocaria este ano uma licitação antecipada de três lotes,
entre eles o 1AB. Isto aumentou a desconfiança entre os indígenas, que
em sua visita a Lima exigiram das autoridades que impeçam a entrada de
qualquer novo operador enquanto não for remediada a contaminação
existente. “Como vou deixar você entrar novamente em minha casa se me
causou danos? É preciso remediar para eu acreditar em você”, argumentou
Chino.
A Presidência do Conselho de Ministros informou, em um
comunicado do dia 28, que realizará a consulta às comunidades antes de
assinar o contrato de exploração do lote 1AB, e o ministro do Meio
Ambiente, Manuel Pulgar, ratificou esse anúncio no dia seguinte.
Contudo, ainda não são conhecidos os detalhes de como a consulta
acontecerá.
“Quais comunidades ouvirá? Quais as condições? Há
respostas que os povos indígenas necessitam porque há muita
desconfiança”, disse ao Terramérica a parlamentar oficialista Verónika
Mendoza, que participou como convidada do grupo de trabalho que elaborou
o informe. “Nos parece bom haver a consulta. Entretanto, como vão
remediar em pouco tempo o que não foi feito em 40 anos? Que primeiro nos
expliquem isso”, afirmou ao Terramérica o dirigente achuar Andrés
Santi, presidente da Federação de Comunidades Nativas do Corrientes.
O
Peru não tem um registro atualizado de passivos ambientais.
Atualmente
sabe-se que há mais de seis mil devido a atividades hidrocarboníferas
realizadas entre 1863 e 1993, e quase 300 são perigosos e se encontram
na Amazônia, sobretudo em Loreto, descreveu ao Terramérica o engenheiro
Jorge Villar, do Órgão Supervisor do Investimento em Energia e
Mineração. Entre 2007 e 2011, os monitores ambientais indígenas
registraram 112 novos vazamentos, dos quais 82 na zona do lote 1AB e o
restante no lote 8.
A causa principal dos vazamentos seria a
corrosão dos dutos que transportam o petróleo, segundo o informe do
Congresso. Porém, representantes da Pluspetrol Norte garantiram que
vários foram causados por atos de vandalismo que a justiça está
investigando. Os legisladores detectaram que o Poder Executivo não
fiscaliza estes fatos e que é preciso melhor controle e melhores estudos
epidemiológicos para determinar o grau de dano sanitário que sofre a
população local.
“As guelras dos peixes estão negras, cheias de
petróleo. Comemos pelo menos um quilo de pescado por dia. Quando chove,
os rios contaminados transbordam, inundam tudo, o solo, a floresta”,
contou ao Terramérica o presidente a Associação Cocama de
Desenvolvimento e Conservação San Pablo de Tipishca, Alfonso López. O
relatório parlamentar também indica que os limites máximos de
hidrocarbonos totais de petróleo (HTP) fixados para a remediação de
solos no lote 1AB são 30 vezes maiores do que os do lote 8, embora
estejam em cenários semelhantes.
“Faremos acompanhamento das
recomendações por este grave problema. São muitos anos sem olhar para
estes povos”, disse ao Terramérica a legisladora de oposição Marisol
Pérez Tello, que também participou da elaboração do informe. Fotos e
vídeos da contaminação observada pelos legisladores já estão em poder da
promotoria ambiental. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
Artigo
produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento
(Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela
Agência Envolverde.
Nenhum comentário:
Postar um comentário