O cacique Potiguara Geusivan Silva de Lima, 30 anos, segue internado em estado grave no Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena, em João Pessoa, na Paraíba.
Nas
próximas 48 horas, de acordo com a assessoria de imprensa do hospital, a
equipe médica submeterá o cacique a exames e testes para diagnosticar
se ocorreu de fato morte cerebral.
Geusivan
foi baleado com dois tiros na cabeça durante atentado sofrido na noite
desta terça-feira, 31, enquanto jogava dominó numa praça da aldeia
Brejinho, município de Marcação, litoral norte paraibano. A lesão o fez
perder massa encefálica dificultando ainda mais a recuperação.
Conforme
uma testemunha do ataque, que prestou depoimento para a Polícia
Federal, dois homens armados abordaram Geusivan e perguntaram se ele
estava armado. Com a negativa do cacique, ordenaram que ele deitasse de
bruços.
Antes
de executá-lo, porém, os pistoleiros foram abalroados por Claudemir
Ferreira da Silva, mais conhecido como Cacau, jovem que estava com o
cacique na hora do ataque e não era indígena - os demais caciques o
apontam como segurança de Geusivan. Cacau, no entanto, foi atingido por
vários disparos e morreu no local. Tinha 37 anos.
No
chão e ao lado do companheiro morto tentando defendê-lo, Geusivan
recebeu ao menos três tiros, sendo dois deles na cabeça. Antes da fuga,
de acordo com a testemunha, um dos assassinos disse: “Agora só faltam
dois”.
Informações
não oficiais dão conta de que as armas utilizadas pelos pistoleiros
eram revólveres calibre 38, descarregados no local. Também que um deles,
o indivíduo que pilotava a moto, se manteve de capacete durante toda
ação; já o acompanhante estava com o rosto à mostra.
De
acordo com o cacique geral do povo Potiguara, Sandro Gomes Barbosa, o
atentado não é um fato isolado e se soma a ameaças, agressões e
tentativas de homicídio sofridas por sete caciques Potiguara e relatadas
para a Polícia Federal e Ministério Público federal (MPF) entre 2011 e
este ano.
A
Polícia Federal abriu inquérito nesta quarta-feira, 1º. Questões
fundiárias e um quadro de violência na região permeiam a lista de
lideranças Potiguara marcadas para morrer.
Questão fundiária
No último mês de abril a comunidade da aldeia Brejinho retomou 90 hectares
de área ocupada por fazendeiro de cana de açúcar - localizada dentro da
terra indígena já demarcada, mas sem extrusão realizada pela Fundação
Nacional do Índio (Funai).
Cacique
Geusivan, apesar das dificuldades oriundas do fato de ter tido uma
perna amputada depois de acidente automobilístico, liderou os indígenas.
Tão logo se deu a reocupação da área, a comunidade colocou abaixo toda a
plantação de cana, iniciando a construção de moradias e abrindo
roçados.
A
medida atendeu decisão dos 32 caciques Potiguara: dentro das terras
indígenas do povo, nenhuma muda de cana deveria ser plantada e as
lavouras existentes não renovadas; os arrendamentos de terra, por fim,
impedidos. Como as cidades de Marcação, Rio Tinto e Baía da Traição se
confundem com as aldeias, o policiamento foi intensificado para combater
roubos e violências.
Tais
medidas e a retomada de abril fizeram com que Geusivan passasse a
sofrer ameaças. Nos últimos meses recebeu telefonemas dizendo que iriam
arrancar a outra perna dele, além de avisos dando conta de que sua vida
seria ceifada. Com os outros caciques não foi diferente, incluindo o
cacique geral.
No
mês de maio homens armados foram até a casa de Sandro, mas não o
encontraram. “Meu filho disse que eu não morava mais ali, que tinha
mudado de endereço. Se eu estivesse em casa teria sido morto. Em julho
agora motoqueiros me perseguiram. Não vamos abandonar a luta, mas só
Tupã mesmo para nos proteger”, afirma o cacique geral.
Ausência do Estado
“Nunca
a Funai tomou vergonha para tirar os não-indígenas das terras já
demarcadas e até homologadas. Seguem aqui como posseiros que arrendam
terras para a cana, latifundiários usineiros. Então a gente retoma
terras e luta contra a cana e a consequência são as ameaças contra
nossas vidas”, explica o cacique Aníbal Cordeiro Campos, da aldeia
Jaraguá.
Na
noite de 22 de março de 2009, um domingo, cacique Aníbal viu a porta de
sua casa ser arrombada e por ela entrar homens armados. Tentou se
defender, mas acabou levando cinco tiros. Sobreviveu e seguiu nas lutas
Potiguara, mas traz no corpo ainda as marcas do ataque: uma bala alojada
na cabeça.
A
Polícia Federal instaurou inquérito, mas nunca chegou aos pistoleiros e
possíveis mandantes. Este ano Aníbal voltou a receber ameaças, assim
como o cacique José Roberto, o Bel, da aldeia Três Rios, e o
vice-cacique Josesi, que também sofreu um atentado, além dos caciques
Pintado, da aldeia Capoeira, Alcides, da aldeia São Francisco, cacique
Capitão, da aldeia Forte e cacique Oliveiros, da aldeia Ibykuera.
O
clima de tensão e insegurança entre os Potiguara é grande, fazendo com
que familiares e amigos de Claudemir Ferreira da Silva, morto ao
defender o cacique Geusivan, pedissem escolta policial durante o velório
e enterro. “Ontem (quinta-feira, 2) à noite deram tiros lá na aldeia
Brejinho depois de enterrarmos Cacau. Essa é nossa situação”, lamenta
cacique Bel.
As
denúncias de ameaças registradas pelos caciques na Polícia Federal, ao
menos em alguns casos, envolvem indígenas cooptados por latifundiários
da cana de açúcar e não-indígenas que residem dentro do território de
ocupação tradicional e arrendam áreas para a plantação de cana.
“É
difícil de dizer quem é que está fazendo isso com nosso povo. A polícia
precisa investigar para descobrir. Temos essa situação de combater a
cana de açúcar, da violência, da luta pela terra, de impedir os
arrendamentos, mas não podemos afirmar quem é”, analisa cacique Capitão.
Situação das terras indígenas
Os
Potiguara do litoral norte da Paraíba se dividem em 32 aldeias entre as
três terras indígenas registradas e declaradas pelo governo: Jacaré do
São Domingos, Potiguara de Monte Mor e São Miguel. Juntas somam 35.328 hectares. A ocupação não-indígena nelas é acentuada. Em São Domingos, posseiros plantadores de cana conseguiram liminares na Justiça para continuarem na terra já registrada.
Em São Miguel
uma usina de cana ocupa área de 14 mil hectares e joga no rio que corta
o território vinhoto, inutilizando-o para a pesca do camarão e peixe,
prática tradicional dos Potiguara, durante seis meses no ano. Já nas
aldeias que compõem a terra Monte Mor, a presença não-indígena
ultrapassa 7 mil indivíduos em 1.653 ocupações, além de mais usinas de
cana de açúcar.
“É
muita covardia: dentro de nossa terra, da qual somos filhos, andamos
assombrados. Porém, não tenho medo de bandido e se tiver que morrer
defendendo meu povo, se essa for a vontade de Tupã, que seja feita. Não
vou abandonar a luta”, enfatiza o cacique geral Sandro Potiguara.
Por Renato Santana,
de Brasília
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