Caros Conceição Lemes e Azenha,
É com tristeza que
encaminhamos a matéria abaixo publicada pelo CIMI, sobre o assassinato
do Cacique Potiguara Geusivan Silva de Lima e de Claudemir Ferreira da
Silva.
Porém,
não tenho medo de bandido e se tiver que morrer defendendo meu povo, se
essa for a vontade de Tupã, que seja feita. Não vou abandonar a luta”. Cacique Geral Sandro Potiguara.
No
momento em que a Comissão Nacional da Verdade acolhe proposta de
trabalho feita pela Associação Juízes para a Democracia, Comissão
Justiça e Paz e Grupo Tortura Nunca Mais-SP criando o subgrupo Campo,
sob coordenação de Maria Rita Khel, para levantarmos de forma
colaborativa a situação das violências sofridas pelas populações
indígenas entre 1946 e 1988, (bem como dos camponeses), vemos com pesar
que estas práticas se perpetuam em nossa sociedade.
Nos dedicamos a esta
tarefa de levantar e sistematizar as violências sofridas pelos índios
como forma de subsidiar a Comissão Nacional da Verdade, na certeza de
que estes fatos passados vindo à tona, trarão luz para que a sociedade
tire da invisibilidade as questões de vida e morte que envolvem os
índios hoje em nosso país. Até quando?
Até quando a cobiça e o
lucro continuarão a assassinar e atuar impunemente? Até quando a cana e
a soja valerão mais que a vida das pessoas? Por que a FUNAI e a Polícia
Federal não atuam no sentido de se cumprir a lei e retirar aqueles que
durante décadas exploram comercialmente e ilegalmente estas áreas?
Quanto sangue será derramado, quanto medo será imposto à rotina e vida
destas pessoas até que o Estado brasileiro faça algo?
A terra dos índios potiguara que no
começo do século 20 se extendia pelo litoral do Rio Grande do Norte e
Paraíba foi sendo reduzida e ocupada nos anos 80 pelo Exército e Polícia
Militar para ser retalhada ainda mais, favorecendo interesses de
fazendeiros, mineradora e usineiro da região. Também oficializando um
território na Paraíba, através de demarcação que retirou 14 mil hectares
de suas terras, intimidando a população local, ameaçando suas
lideranças, inclusive produzindo o único indígena brasileiro exilado no
Canadá e reconhecido pela ONU saído destas terras onde resistiam a esta
opressão, depois de ser preso, torturado e ter sua casa incendiada.
A ilegalidade no uso
destas terras, a omissão e conivência do Estado e a ausência de atitudes
pela FUNAI são causa e consequência desta violência contra a nação
potiguara. Vivemos as mesmas práticas do tempo da ditadura militar,
tanto no que diz respeito à violência impune, como na omissão do estado
alinhada a interesses economicos em detrimento da vida destes índios
brasileiros.
A retirada imediata de
todos que usam e abusam ilegalmente das terras potiguara é a unica
reparação possível para fazermos justiça em respeito à vida deste líder
indígena assassinado e seu companheiro, pois este será mais um crime
político que ficará longe das barras dos tribunais, como tantos outros
que têm acontecido em nosso país, tais como os caciques e lideranças
ameaçadas e assassinadas no centro-oeste brasileiro.
É preciso que a
sociedade se envolva nos trabalhos de pesquisa da Comissão Nacional da
Verdade para que venha à tona as práticas do passado de modo a mudarmos
nosso presente, reforçando e aprofundando através da justiça de
transição mecanismos de combate à impunidade, de transformação e
fortalecimento de uma justiça para todos. Este crime contra o Cacique
Geusivan e Claudemir não pode ficar impune e no silêncio, pois atinge a
todos nós brasileiros e brasileiras.
Cópia deste email está
sendo enviada à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos para que sejam
tomadas as devidas providências no sentido de realizar ação de
desintrusão dos fazendeiros e não-índios desta área indígena, gesto
concreto que esperamos seja tomado pelo estado brasileiro a favor da
vida e da democracia.
Atenciosamente,Marcelo Zelic
Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo
Coordenador do Projeto Armazém Memória
FONTE
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