Entre os dias 24 e 28 de setembro em Rio Branco, foi realizada a Oficina de Vigilância e Fiscalização em Terras Indígenas no Acre, com a participação de agentes agroflorestais e lideranças de oito povos provenientes de 15 terras indígenas do Acre.
Fazendo parte do Projeto Proteção Florestal em Terras Indígenas, a oficina contou com recursos do Fundo Amazônia, sendo organizada pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) e pela Assessoria de Assuntos Indígenas, com parceria da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre), da Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas (Amaaiac), da Coordenação Regional Alto Rio Purus e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Como resultado, a oficina atualizou um diagnóstico promovido pela Amaaiac em 2010, detalhando violações de direitos territoriais e invasões nas terras indígenas, com inúmeros problemas apontados, bem como elaborou uma proposta de soluções.
Estão ocorrendo incursões realizadas por caçadores e pequenos madeireiros, além daquelas realizadas por vizinhos e viajantes, que procuram por ovos de tracajá e retiram produtos dos roçados de verão. Nos rios, igarapés e lagos, a ameaça vem por intermédio de moradores do entorno e pescadores profissionais na estação seca e nas piracemas. Nos limites das terras indígenas, também foram motivos de alerta os desmatamentos para a ampliação de pastos para o gado e a retirada de madeiras de lei, bem como a instalação de projetos de assentamento e a abertura de ramais, que facilitam as invasões e ameaçam as florestas dos territórios.
A proximidade das terras indígenas da BR-364 tem trazido maior número de pessoas estranhas às aldeias, impactos sobre a fauna e as florestas, lixo e poluição sonora. A atuação de marreteiros nos rios e a proximidade das sedes municipais têm incentivado uma maior presença de bebidas alcoólicas e mesmo de drogas nas aldeias. Há ainda a ação de missionários evangélicos que têm trazido danos às culturas tradicionais dos povos e divisões nas comunidades.
Para fazer a vigilância dos territórios, as aldeias contam principalmente com Agentes Agroflorestais Indígenas (Aafis) e iniciativas que partem da própria comunidade, que procura dialogar com seu entorno. Nessas ações de vigilância, têm sido priorizadas expedições coletivas, com recursos das próprias comunidades, para monitorar possíveis invasões ou para surpreender caçadores, madeireiros e pescadores em suas atividades ilegais nos limites das terras. Como resultado das expedições e de eventuais apreensões de armas, malhadeiras e motosserras, agentes agroflorestais e lideranças têm recebido, por vezes, ameaças de vingança e inclusive de morte.
Fiscalização efetiva
A fiscalização das terras indígenas é de responsabilidade da União, por meio de órgãos como a Funai, o Ibama e Polícia Federal. Por esse motivo, as comunidades estão formulando documentos e realizando oficinas, solicitando uma presença mais atuante dos órgãos públicos, que são responsáveis pelas medidas efetivas.
O que os indígenas esperam é a possibilidade de planejar com essas instituições as estratégias viáveis para a defesa e manutenção de seus territórios. Segundo o antropólogo Marcelo Piedrafita, da Assessoria de Assuntos Indígenas, “o ideal é que existissem instâncias de avaliação e monitoramento das situações existentes, compostas por indígenas e representantes dos órgãos públicos. Desse modo, os governos estadual e federal poderiam apoiar as iniciativas de vigilância das comunidades com ações compartilhadas, tornando a fiscalização mais efetiva, garantindo a proteção das terras indígenas, dos recursos florestais e hídricos existentes nesses territórios”.
Os agentes agroflorestais e lideranças afirmaram que os órgãos responsáveis pela fiscalização encontram-se distantes de suas comunidades, uma vez que denúncias e demandas geralmente ficam sem resposta. As ações de fiscalização ocorrem em situações emergenciais, muitas vezes após os prejuízos ambientais nas terras e comunidades já terem ocorrido.
Os órgãos federais enfrentam hoje dificuldades, por falta de pessoal e de recursos financeiros, tampouco dispõem de informações atualizadas sobre o que está acontecendo nas terras indígenas. Não existem planos integrados entre esses órgãos para viabilizar ações de fiscalização. Para a liberação de recursos, os planejamentos têm de ser feitos até com um ano de antecedência, o que dificulta respostas rápidas às invasões que periodicamente ocorrem nas terras e comunidades.
As soluções apontadas pela oficina
Cientes das oportunidades abertas pelo Projeto Proteção Florestal em
Terras Indígenas nos próximos dois anos, para oferecer maior apoio às
atividades de vigilância das comunidades, os participantes da Oficina
recomendam que:
- O governo do Acre avance no reconhecimento formal da categoria dos Agentes Agroflorestais Indígenas (Aafis) e assegure recursos orçamentários para a sua formação profissional continuada e para a remuneração dos seus serviços;
- As ações do Projeto Proteção Florestal abranjam todas as terras indígenas do Acre, para que outras comunidades, além das já previstas, também possam receber apoio, na forma de oficinas, capacitação e equipamentos, e fortalecer as atividades de vigilância em seus territórios;
- Novas oficinas continuem a contemplar aspectos da legislação que respalda os direitos territoriais indígenas e também incluam capacitação no uso de GPS e outros equipamentos necessários às ações de vigilância, bem como de escrita de documentos para o registro dessas atividades e para formalizar relatórios e denúncias para encaminhar às autoridades competentes;
- Novas oficinas e capacitações ocorram em sedes municipais do interior, conforme já previsto no Projeto, mas também em terras indígenas, para viabilizar a participação de um número maior de lideranças, agentes agroflorestais e membros das comunidades;
- As atividades do Projeto Proteção Florestal sejam convergentes com as ações de etnozoneamento e de elaboração, atualização e implementação dos planos de gestão nas terras indígenas, de forma a conciliar ações de gestão territorial, produção sustentável, fortalecimento institucional e vigilância;
- As ações do Projeto sejam também convergentes com as atividades do “Grupo de Trabalho para a Proteção Transfronteiriça da Serra do Divisor e Alto Juruá (Brasil/Peru)”, que tem funcionado, nos últimos anos, como importante instância de articulação e discussão e de sistematização e divulgação de informações;
- Os órgãos federais responsáveis pelas ações de fiscalização participem de forma efetiva em novas oficinas do Projeto Proteção Florestal, para que canais constantes de diálogo sejam construídos com nossas comunidades e organizações, visando periodicamente atualizar o quadro de invasões e de ameaças às nossas terras e a estabelecer agendas conjuntas de proteção das terras indígenas, garantindo a participação indígena no planejamento, execução e avaliação das atividades em nossas terras.
- Os órgãos federais mantenham entre si canais permanentes de diálogo, informação e planejamento, de forma a garantir a inclusão das terras indígenas em suas operações anuais de fiscalização e a articulação dessas ações nas terras indígenas, com uma efetiva participação das lideranças e organizações indígenas;
- A Funai participe ativamente das ações de etnozoneamento e de implementação de planos de gestão nas terras indígenas e agilize os processos de regularização de terras indígenas ainda não reconhecidas ou demarcadas, passo fundamental para a garantia dos direitos territoriais dos povos que ali vivem, bem como de uma presença mais efetiva dos poderes públicos na proteção desses territórios;
- Ampla divulgação seja dada aos fatos apontados, nas comunidades e organizações indígenas, junto aos órgãos responsáveis pela fiscalização e na imprensa, de forma a visibilizar as ameaças territoriais às terras indígenas e as propostas e demandas das lideranças e organizações indígenas. E que, no âmbito do projeto, materiais específicos, com conteúdos e resultados das oficinas, sejam publicados e distribuídos às comunidades e às suas organizações.
Mas o ensino médio profissionalizante dos Aafis do Acre não termina por aí: tem uma carga horária de 2.680 horas/aula e prevê, em seu currículo, disciplinas de conhecimentos básicos como língua indígena, língua portuguesa, matemática e geografia com ênfase em cartografia. Está organizado com aulas teóricas e presenciais no Centro de Formação Povos da Floresta da CPI/AC e nas Terras Indígenas. Também conta com aulas práticas de formação a distância, que se traduzem na aplicação do aprendizado mensurado e avaliado por meio de produtos como diários de trabalho e relatórios dos Sistemas Agroflorestais, vigilância e fiscalização, realizadas em conjunto com a comunidade.
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