quinta-feira, 25 de abril de 2013

Jovens indígenas enfrentam cidade para conquistar diploma universitário

EXPRESSO MT

"Quando nos apresentamos e dizemos que somos indígenas, todos perguntam se andamos nus, moramos em ocas, até os professores universitários. Claro, ainda existem etnias que, por serem afastadas e não ter contatos com os brancos, ainda vivem em ocas, têm costumes mais restritos. Mas já tem indígenas que moram em cidades, não são mais ocas, já são casas tradicionais. Também têm aldeias já com internet, telefone. A gente teve que acompanhar as coisas, porque, para você sair da aldeia e ir para ir a universidade sem conhecer telefone, computador, não tem como". O depoimento é de Rodolfo Edvan Moreira, 22 anos, da tribo Kaimbé, um dos 9.756 indígenas brasileiros que cursam o ensino superior.
Em lembrança ao dia do índio, comemorado nesta sexta-feira (19), o G1 conversou com dois jovens universitários indígenas que hoje vivem em uma residência instalada no campus da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs). Entre os relatos, eles falam da vontade e da importância de se manter os costumes e tradições, contam histórias da vida na cidade e falam do preconceito que ainda enfrentam "em plena época que estamos", como diz Rodolfo.
Estudante do 5º semestre do curso de Administração da Uefs, o rapaz é integrante da tribo Kaimbé, situada região de Euclides da Cunha, norte da Bahia. Lá, vivem sua mãe, uma irmã de nove anos e o padrasto. "A aldeia tem 1.256 kaimbés e uma estrutura mais próxima da cidade, mas mantendo as tradições. Lá, eu estudei até o 3º ano. Senti a necessidade de fazer uma faculdade porque o cacique recebe projetos do governo e não tinha quem orientasse, interpretasse os projetos da forma que eles vinham. Daí vim fazer Administração", explica.
Segundo Rodolfo Moreira, geralmente os jovens indígenas que fazem um curso superior em centros urbanos voltam às aldeias para desenvolver o conhecimento na comunidade. "Nós falamos à aldeia que voltaremos para colocar o que aprendemos em prática, é uma forma de manter o nosso vínculo", diz. Além disso, segundo Rodolfo, há a possibilidade de trabalhar na Fundação Nacional do Índio (Funai), como "um braço entre o governo e as comunidades".
No caso de Rafaela Madalena, 26, o curso de enfermagem servirá para levar a medicina à sua aldeia, o Tuxás Morrinhos, em Ibotirama, oeste da Bahia. "Eu cheguei a começar o curso de medicina na Bolívia, mas aí apareceu a oportunidade de cursar a universidade no Brasil com as cotas e decidi voltar pela proximidade da minha aldeia, da família", conta. Na comunidade da jovem, vivem cerca de 100 famílias.
Preconceito
Sobre a rotina na cidade, um dos principais pontos enfrentados pelos jovens indígenas é, ainda, o preconceito. "Tanto por parte da sociedade e de colegas de turma quanto por professores. A gente espera que o professor seja mais 'mente aberta', conhecedor, tenha respeito pela história. Mas você ainda vê certo professor com olhar diferente, é lamentável", reclama. Segundo ele, o preconceito é perceptível em sala de aula, por exemplo, quando os indígenas ficam isolados, com pouco contato com os "brancos".
"Tem gente que faz o contrário, graças ao pai Tupã, gente que acolhe. Mas o preconceito ainda é grande, mesmo. A gente vê também que grande parte disso vem de outras classes consideradas como minorias, que não nos reconhecem como indígenas, como parte da história do país", pontua. Segundo o rapaz, nessas ocasiões, eles tentam interagir e realizar ações conjuntas para passar a cultura e mostrar que "todos são brasileiros".
"A gente não pode deixar para trás as tradições, tem que sempre a levar aonde formos, independente de universitários ou analfabetos, as tradições precisam existir. E o preconceito que ainda tem na sociedade e na universidade é muito atuante. Um "pré" conceito que as pessoas têm sobre indígenas pela falta de conhecimento do que nós somos, da nossa história. Isso precisa ser revisto sempre com políticas públicas e com a inicativa de cada um", avalia Rafaela.
Residência
Desde 2010, a Uefs tem uma residência universitária para a população indígena. "É um local mais afastado, em uma área de matas, com várias árvores, onde podemos seguir os nossos costumes e rituais com um pouco mais de tranquilidade", explica Rodolfo. Atualmente, segundo os estudantes, há 19 índios no local, divididos em 11 mulheres e oito homens, de seis etnias diferentes.
Por conta das várias etnias em um mesmo ambiente, segundo o rapaz, "não pode se dizer que se vive em um mar de rosas". "Isso é normal, porque cada um tende a defender os interesses de sua etnia, de sua aldeia, mas nada que atrapalhe a convivência", diz. Segundo ele, reuniões e informes ajudam na manutenção da convivência saudável entre os índios.
Acesso à universidade
Segundo os números do Ministério da Educação (MEC), em 2011, de 6.739.689 pessoas que se matricularam no ensino superior no Brasil, 9.756 eram declarados indígenas. Desse total, 339 mil pessoas se matricularam em universidades e faculdades na Bahia, sendo 505 declarados indígenas.
De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010 a população de índios chegava a 817 mil brasileiros, cerca de 0,4% da população.
Os índios estão distribuídos em 688 territórios indígenas catalogados, além de um número não divulgado de povos que tentam junto ao Governo Federal o reconhecimento de suas etnias. Pelo menos 15 etnias indígenas povoam a Bahia, divididos em 56.300 pessoas.
Ser índio
Para Rafaela, ser índio é um desafio." O Brasil é miscigenado, é misturado, mas as pessoas ainda precisam entender isso", desabafa a futura enfermeira. "As pessoas nos conhecem pouco, nos perguntam o que é um índio com frequência. Ser índio é manter sua cultura, suas tradições, tudo que aprendeu com os mais velhos, ensinamentos, rituais, manter viva essa tradição. Porque as pessoas ainda acham que você ainda tem que ficar nu, sair por aí comendo folha, subindo em árvore. Nada contra, nas aldeias ficamos bem mais à vontade, sem essas roupas pesadas. Vamos para a mata, pescamos, mantemos a cultura e isso não temos como fazer na universidade. Mas, pelo menos os rituais, danças, orações, agradecimentos aos deuses da natureza, a gente mantém", comenta o estudante Rodolfo. 
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