"A construção desta hidrelétrica, afogando as cachoeiras de Sete
Quedas, poluindo as águas e secando o Teles Pires rio abaixo, acabaria
com os peixes que são a base de nossa alimentação. Além disso, Sete
Quedas é um lugar sagrado para nós, onde vive a Mãe dos Peixes e outros
espíritos de nossos antepassados — um lugar onde não se deve mexer." É
assim que começa a decisão
judicial que determinou a suspensão das obras da usina hidrelétrica
Teles Pires, no rio entre os estados do Pará e do Mato Grosso.
A juíza Célia Regina Ody Bernardes, da 2ª Vara Federal de Mato Grosso,
invalidou a licença de instalação concedida em agosto do ano passado
pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama). Foi imposta a multa diária de R$ 100 mil para o caso
de a Companhia Hidrelétrica Teles Pires continuar as detonações de
rochas naturais na região.
A Ação Civil Pública foi movida
pelos Ministérios Públicos Federal e do Estado de Mato Grosso contra o
Ibama e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Nela, o MP afirma que os
povos indígenas locais Kayabí, Munduruku e Apiaká sofrerão com a
inundação das corredeiras do Salto Sete Quedas, área de notável
importância para a reprodução de seu modo de vida. Além disso, diz que
os índios não foram consultados.
A obra no Salto Sete Quedas,
segundo o MP, atinge o modo de vida dos povos indígenas afetados, por
ser área de reprodução de peixes migratórios, base alimentar dos que
vivem na bacia do Rio Teles Pires; por ser local considerado sagrado
para os Munduruku; por aumentar fluxos migratórios, a implicar maiores
pressões sobre terras indígenas; gerar especulação fundiária; e desmatar
e aumentar pressões sobre os recursos naturais (pesca predatória e
exploração ilegal de madeira e recursos minerais, por exemplo).
A juíza afirma, em sua decisão, que é possível perceber que a licença
prévia emitida pelo Ibama, que estava condicionada ao atendimento de
recomendações feitas pela Funai, foi emitida sem que tais condições,
como "realizar reuniões nas terras indígenas com linguagem e metodologia
adequadas", fossem atendidas. Com isso, a licença de instalação emitida
em 2011 se torna inválida.
Segundo a decisão, não houve
qualquer tentativa idônea de promover consulta prévia aos povos
indígenas. "O empreendedor apresenta aos índios (e aos órgãos públicos
envolvidos) uma decisão já tomada, de cujo processo decisório não
participaram e em relação à qual nada há a fazer a não ser lamentar a
perda de sua identidade cultural e de seu local de culto", afirma Ody
Bernardes.
O artigo 231 da Constituição Federal também é
citado, por estabelecer que "são terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para
suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos
recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições".
Essa foi a quarta ação movida pelo Ministério Público por
irregularidades no empreendimento. As três primeiras ações já haviam
apontado falhas no processo de licenciamento, como estudos ambientais
incompletos, problemas nas audiências públicas e a não realização de
ações obrigatórias que poderiam reduzir os impactos da obra.
A
Usina Hidrelétrica Teles Pires tem previsão de ser concluída em agosto
de 2015 e terá capacidade de 1.820 megawatts. O custo estimado da obra é
de R$ 4 bilhões.
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