De tempos em tempos, vem à tona a notícia de que mais uma criança indígena morreu por desnutrição em algum lugar do Brasil. O avanço da agropecuária e das cidades têm expulsado muitos povos tradicionais de suas terras ou transformando-as em favelas, o que tira deles sua autonomia alimentar. Não é coincidência, portanto, que o Estado que é a principal ponta-de-lança do agronegócio nacional, o Mato Grosso, seja também o que apresenta os números mais preocupantes de morte de crianças. É claro, sem contar o sempre presente Mato Grosso do Sul, que é hour concours no quesito “roubo de terras de populações indígenas e apropriação ilegal de sua força de trabalho” .
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lançou, nessa quinta, o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil -2010 destacando que a mortalidade infantil indígena cresceu 513% se comparada a 2009. Ao todos, foram 92 crianças mortas por desnutrição ou por doenças facilmente tratáveis.
O Cimi destacou a situação do povo Xavante da Terra Indígena Parabubure, no Mato Grosso, onde 60 crianças morreram vítimas de desnutrição, doenças respiratórias e doenças infecciosas – o que equivale a 40% do total de nascimentos no período.
De acordo com o Conselho, o fato é conseqüência do descaso e do abandono em que vivem os indígenas do país, sendo as crianças a população mais vulnerável. No Mato Grosso, a assistência médica é precária, faltam equipamentos, médicos, enfermeiros, medicamentos e transporte para levar os doentes até a cidade.
O relatório aponta também a situação dos povos indígenas do Vale do Javari, no Amazonas. Na terra, homologada em 2001, vivem cerca de 20 diferentes povos, entre eles: Marubo, Korubo, Mayoruna, Matis, Kulina, Kanamari e outros em situação de isolamento. A distância geográfica, o descaso e a omissão do governo são fatores determinantes para a não contenção de doenças na região, muitas das quais facilmente tratáveis, como a desnutrição.
Para o Cimi, os índices de morte na infância têm contribuído, nos últimos anos, para a severa diminuição da população indígena da região. Dados revelam que de 11 anos para cá, 210 crianças menores de 10 anos morreram no Vale do Javari. Uma proporção de mais de 100 mortes para cada mil nascidos vivos, índice cinco vezes maior que a média nacional, que não chega a 23.
Combater a fome é bordão citado por políticos em eleição, empresas que querem limpar a barra, entidades não-governamentais e artistas em busca de redenção social. Se bem que, na eleição passada, aborto apareceu mais do que a fome. Há também aqueles que preferem defender a superficialidade das ações cosméticas. Até porque mudanças estruturais significam cortes na carne, como uma ampla reforma agrária, a mudança de prioridade na aplicação de recursos públicos ou a garantia de que as populações tradicionais tenham acesso às terras que lhe são de direito e recebam apoio para nelas ter uma vida digna. Enfim, benefícios dos mais ricos têm que dar lugar às necessidades dos mais pobres.
Mas aí, vem a turma do deixa-disso, não seja radical, o brasileiro é de paz (tradução: mole e idiota), o mundo é assim mesmo, cansei!, uns comem muito outros pouco e vai se levando, veja a legalidade, respeite o direito adquirido mesmo fraudulento, olha a tradição, a família e a propriedade…
Morre uma criança de fome no mundo a cada seis segundos, segundo a FAO, organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. A verdade é que a vida vale muito pouco. Se você for indígena, em qualquer lugar do mundo, menos ainda, pois será visto como estorvo para o desenvolvimento. Sabe como é: o poder no Brasil tem nojo de pobre. De índio, então, nem se fala.
* Publicado originalmente no Blog do Sakamoto.
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