Relatório destaca desrespeito
A luta histórica pela garantia dos direitos dos povos indígenas enfrenta grandes barreiras para efetivação do que rege a Constituição Federal. Com acesso precário à saúde e educação, povos indígenas ainda enfrentam outros tipos de violações. Um raios-x da situação no Brasil consta no Relatório de Violência contra Povos Indígenas lançado em Porto Velho.O documento é produzido anualmente, desde 2005, pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da igreja Católica. O deste ano, referente ao ano de 2010, foi lançado em nível nacional no mês passado, em Brasília. Dividido entre violência contra o patrimônio, pessoa e por omissão do poder público, o relatório traz graves denúncias, sobretudo para a situação do indígena de Rondônia. O levantamento tem como fonte denúncias do Cimi e também da imprensa.
Desassistência da saúde e educação aos povos indígenas concentram os maiores casos de violência. Somente na área da saúde foram detectadas 25 mil vítimas, em 16 Estados, que não tiveram acesso ao serviço. Em Rondônia, o relatório detectou 12 casos, nos povos Oro Mon, Oro Nao´, Ororam, Aruá, Oro Waram Xijein, Kanoé, Majurap e Salamão, tendo como resultado quatro óbitos. Na área da educação, os dados também são alarmantes. Falta de acesso à uma escola em que estudam 40 jovens na terra indígena Guajará-Mirim é destacado no documento.
“Políticas públicas não saem do papel”
Para a coordenadora do Cimi em Rondônia, Emília Altini, os índices são resultado de políticas que preterem os direitos dos indígenas. “Os povos indígenas sofrem porque as políticas públicas em relação à educação, saúde e terras não são praticadas, apenas escritas nos livros. A situação de violência dos povos indígenas é fruto da definição da política do governo que privilegia interesses econômicos e políticos específicos”, denuncia.
Um dos dados que chamam a atenção é quanto à criminalização de lideranças indígenas. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), de dezembro de 2010, 748 indígenas compõem a população carcerária brasileira, contra 521 registrados no ano anterior. “A luta pela terra é a chave que criminaliza lideranças indígenas”, acredita.
O relatório também relaciona violações de direitos com a construção de grandes empreendimentos, como é o caso das usinas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia. De acordo com o levantamento do Cimi, cinco dos 15 povos indígenas não têm contato e com risco de desaparecerem devem ser impactados socialmente pelas usinas. “A aproximação do espaço onde é construído, barulho e a situação de contato faz com que eles se afastem do seu processo livre de habitação de percurso na mata”, diz.
Representando os povos indígenas, o coordenador da comissão do movimento indígena do Estado de Rondônia, Sul do Amazônia e Noroeste do Mato Grosso, Antenor Karitiana, destacou a negligência do poder público para com a vida dos indígenas. “Hoje os povos indígenas do Brasil estão tentando sobreviver. E até agora não recebemos nenhum projeto adequado de habitação e saneamento”.
Omissão e morosidade na regularização
Uma das principais causas apontadas pela violência contra o patrimônio do indígena é a omissão e morosidade na regularização de terras. Das 1.008 terras indígenas existentes no Brasil, apenas 43 são homologadas, sendo que o restante está em processo de regularização ou é reivindicada pelos povos indígenas, sem providência. Das 322 que estão sendo reivindicadas, 24 são de Rondônia. Conflitos relativos a direitos territoriais também são retratados através de 10 casos em sete Estados, que apontam danos aos povos.
Quanto à invasões e exploração ilegal de recursos naturais, foram 33 casos, sendo três em Rondônia. O garimpo na Reserva Roosevelt, dos povos Cinta Larga, a extração da castanha, na terra do Igarapé Lurdes, dos povos Gavião, e a pesca nas terras Karipuna, de povos de mesmo nome, foram as ilegalidades denunciadas pelo relatório, que também traz levantamento de assassinatos, tentativas de assassinatos, homicídio culposo, ameaças de mortes, lesões corporais e abusos de poder. Somente de lesões corporais dolosas, foram 1.015 vítimas.
Um menino do povo Oro Wari, da terra indígena Sagarana, que fica em Guajará-Mirim, segundo o relatório, saiu de bicicleta para fazer compras no distrito de Surpresa, e ao voltar à aldeia foi espancado por dois homens encapuzados. Rondônia também registrou dois casos de violência sexual e dois de discriminação racial. “A Constituição, quando se trata de índios, é rasgada e pisada. Por isso é muito importante termos esses dados, por que falar sem ter dados perde a credibilidade”, disse o arcebispo dom Moacyr Grecchi. O Cimi quer garantir que esses problemas possam ser denunciados e não apenas testemunhados pelos missionários.
Guarani Kaiowá é espancado por homens encapuzados no MS
Homens encapuzados e armados espancaram, no início da noite de quinta-feira, Germano Guarani Kaiowá numa rodovia entre o município de Paranhos e a Aldeia Pirajuí, região sul do Mato Grosso do Sul (MS). Com graves ferimentos espalhados por todo o corpo, o indígena ficou sob cuidados médicos durante toda a madrugada e liberado na manhã de hoje (15). O ataque covarde tem como motivação a luta do povo Guarani Kaiowá contra os invasores do tekohá (território originário).
Germano seguia para a Aldeia Pirajuí depois de um dia de trabalho, em Paranhos, num dos postos de saúde indígena da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Iria jantar e voltar para a cidade onde se especializa na área de enfermagem. No meio do caminho, em trecho da rodovia de matagal avolumado ao redor da pista, foi interceptado por duas caminhonetes e homens armados.
O derrubaram da moto e tão logo percebeu já era espancado pelos encapuzados. Chutes no estômago, rosto e costas; socos na cabeça, coronhadas e roupas rasgadas. Com um arame, tentaram amarrá-lo. Germano conseguiu se desvencilhar dos agressores e mato à dentro correu na direção da aldeia. “Ele chegou aqui (na aldeia) muito machucado. Se cortou inteiro com os espinhos do mato”, relata um parente do indígena.
“Comunicamos o ocorrido ao Ministério Público Federal. O procurador nos disse que ia pedir para a Polícia Federal (PF) ir ao local. A polícia estadual não compareceu mesmo depois de a família registrar a ocorrência, ligar para a polícia”, explica outra liderança Kaiowá que preferiu não se identificar porque também sofre ameaças.
Germano lutava junto com seu povo pela retomada dos territórios originários dos Kaiowá. Do grupo de atuação de Genivaldo Rolin, professor e liderança Guarani assassinado em 2009 depois de sequestrado por pistoleiros, o indígena brigava pela demarcação e homologação da Terra Indígena Properito – parte dela já retomada pelo povo Kaiowá. As suspeitas são de que o atentado tenha ocorrido por conta dessa luta.
De acordo com o Relatório 2010 de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, publicado este mês pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no ano passado foram assassinados 34 Guarani Kaiowá no MS. Outros 150 estão desde 2010 ameaçados de morte num total de 390 que sofrem as mais diversas ameaças vindas do latifúndio.
CIMI
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