O movimento indígena brasileiro vive um momento delicado, frente às pressões de setores econômicos e políticos que cobiçam as terras e aldeias indígenas para a exploração de madeira, agricultura ou recursos naturais e minerais. A avaliação é da antropóloga Elsja Lagrou, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que adverte para uma perda de direitos históricos, duramente conquistados pelos índios nas últimas décadas.
Segundo ela, um exemplo disso é a possível aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215/2000), que inclui nas competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a criação de unidades de conservação ambiental e a ratificação das demarcações já homologadas.
“Estamos vivendo um momento perigoso, com o ressurgimento de uma ideologia desenvolvimentista que não sabe avaliar os riscos que os recém-conquistados direitos dos índios estão correndo hoje em dia. Isso acontece quando se começa a recolocar em questão os direitos ao território e os direitos à continuação a um estilo de vida. Essa euforia desenvolvimentista está colocando em risco muitas conquistas indígenas, que só vão poder se consolidar se os índios ganharem cada vez mais espaço para se fazer ouvir, nas universidades e nas grandes metrópoles”, disse Elsja.
Além das pressões sobre as terras indígenas no interior do país, um exemplo de perda recente, segundo ela, foi a experiência da desocupação do antigo Museu do Índio, no Rio de Janeiro, quando índios e integrantes da sociedade civil foram retirados com violência policial do imóvel, no dia 22 de março. O local onde nasceu o Serviço de Proteção ao Índio, no século passado, vai ser transformado em um museu olímpico, por determinação do governo do estado.
“Foi um momento que colocou em relevo uma questão que não se reduz à dimensão indígena. Qual o preço que a cidade vai pagar para receber grandes eventos? Nacionalmente e internacionalmente houve muita divulgação desse embate e a visibilidade da presença indígena na cidade é muito importante. A questão precisa voltar a receber a atenção de uma década atrás, quando havia uma atitude muito mais aberta para as sociedades indígenas”.
A antropóloga defende a criação de um centro de referência indígena que garanta apoio aos índios em trânsito na cidade, principalmente estudantes, como era a ideia dos manifestantes que ocuparam o antigo Museu do Índio. “É crucial ter esse centro, onde possa existir uma troca à altura da riqueza dos conhecimentos indígenas, além de garantir a possibilidade de um pouso [para os viajantes de outras aldeias]. O aumento do número de estudantes indígenas vai fazer com que essa necessidade seja mais sentida. Alguns centros de estudos estão sendo criados, mas precisam de apoio político para se desenvolver”.
A professora contesta a o conceito daqueles que não reconhecem o índio urbano, pelo fato de não usar indumentária típica ou de utilizar vestimentas típicas das cidades e equipamentos tecnológicos como computadores e telefones celulares.
“O que é responsável pelo pertencimento a uma identidade, a uma etnia, é a consciência e a autoatribuição de um pertencimento a um grupo étnico e o reconhecimento pelos outros que essa pessoa pertence a esse grupo. O lugar não determina de jeito nenhum a consciência de pertencimento e as roupas, muito menos ainda”.
Para ela, a noção de que o índio verdadeiro é só o que vive na floresta reflete uma visão extremamente preconceituosa. “Existe [este preconceito] e tem sido usado politicamente para diminuir os direitos indígenas. Existe historicamente muito mais pessoas com herança indígena do que tem sido reconhecido. Esse argumento de que só é índio quem vive na floresta e que só é índio quem anda nu é hiperpreconceituoso e discriminador, para poder diminuir a chance dos indígenas exigirem o respeito aos seus direitos. É uma definição limitadora do que é identidade indígena, por parte de pessoas que competem com os índios pela terra”.
RIO DE JANEIRO (Agência Brasil) -
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