O nosso governo, que tem compromisso inarredável com a democracia, precisa mudar
urgentemente a política em relação aos grandes projetos, especialmente os
hidrelétricos na Amazônia. A remoção de famílias atingidas não pode continuar
sendo contabilizada como mera externalidade negativa ou como mais um item de
despesa na planilha dos consórcios.
Estamos vivendo no Brasil um
novo ciclo de expansão econômica e também a retomada dos grandes projetos de
infraestrutura. A última vez que ocorreu algo assim foi na década de 1970, em
plena ditadura militar, no que ficou conhecido como “milagre brasileiro”. Data
deste período a construção das principais hidrelétricas do País, as rodovias
interregionais, os projetos de mineração e também a expansão da fronteira
agrícola para o norte à custa inclusive do genocídio de povos indígenas.
Os tempos de hoje são outros, no tocante à inclusão social, à
redução das desigualdades regionais e à democracia. O atual ciclo
desenvolvimentista não se confunde com aqueles longos e tenebrosos anos de
chumbo. Outra diferença marcante é que desta vez o povo também ganha com o
crescimento econômico. A ideia de que era preciso esperar o bolo crescer para
depois repartir, defendida pelos economistas do regime, cedeu lugar a um novo
pensamento que coloca as massas, antes excluídas, no centro da nova estratégia
de desenvolvimento.
O Brasil retomou a infraestrutura com recursos próprios, sendo
credor do FMI. Deixamos para trás os anos em que a dívida externa e a
consequente submissão às vontades das nações ricas era a principal bandeira de
qualquer manifestação de rua.
Mas, em alguns aspectos, a década de 1970 parece não terminar nunca.
As formas de tratamento dado às populações atingidas pelos empreendimentos
hidrelétricos e minerários são exemplos acabados de um Brasil que não avança na
pauta dos direitos de grupos historicamente excluídos, em particular os
indígenas, quilombolas, sem terra e outras populações tradicionais.
Em Belo Monte, o modelo autoritário e truculento dos tempos dos anos
de exceção continuam a ser empregados sem qualquer cerimônia. Há uma repetição
do modelo em que os atingidos são tratados com completo descaso, simplesmente
por serem pobres, negros ou indígenas. Os canteiros de obra, especialmente de
hidrelétricas, são verdadeiros territórios de violação dos direitos elementares
da pessoa humana. As empresas responsáveis pelas obras cometem todo tipo de
excesso, sonegam direitos trabalhistas, distorcem informações técnicas, abusam
do poder econômico e nada lhes acontece.
Órgãos de controle, como o IBAMA, que é responsável por fiscalizar o
cumprimento das condicionantes, o Ministério Público e a Justiça, são incapazes
de garantir o mínimo de cumprimento da lei tanto por parte do setor privado como
público. A persistir o atual modelo, injusto para com aquelas pessoas que o
Estado mais deveria proteger, presenciaremos em breve uma radicalização sem
precedente nas formas de luta contra empreendimentos de grande impacto no
País.
A despeito da avalanche de informação sobre os empreendimentos
veiculados pelos consórcios, utilizando todas as mídias possíveis e um roteiro
interminável de reuniões, é evidente a falta de comunicação com as populações
atingidas. Não há discussão sobre como superar os problemas decorrentes das
remoções ou das indenizações.
Os consórcios transmitem verdades absolutas e qualquer
questionamento é visto como contrário ao empreendimento e, consequentemente
contra o desenvolvimento do país, lembrando a ditadura em que os panfletos eram
jogados de aviões.
O nosso governo, que tem compromisso inarredável com a democracia,
precisa mudar urgentemente a política em relação aos grandes projetos,
especialmente os hidrelétricos na Amazônia.
A remoção de famílias atingidas não pode continuar sendo
contabilizada como mera externalidade negativa ou como mais um item de despesa
na planilha dos consórcios. São cidadãos que merecem proteção integral dos
direitos fundamentais da pessoa humana e a proteção preferencial do Estado. O
atual modelo de concessão para projetos causadores de grandes impactos
socioambientais precisa ser repensado.
Autor: Padre Ton/portal Carta Maior
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