“A demanda de trabalho é muito grande. Mesmo nas oito reservas indígenas já demarcadas no estado, que abrigam uma grande população, há vulnerabilidade social. E nas áreas menores, onde a densidade demográfica acaba sendo muito alta [devido ao número de habitantes em relação ao tamanho da área], há guetos habitados por uma população étnica desassistida pelo Estado brasileiro, o que leva a um grau de fragilidade muito alto", disse Maria Aparecida à Agência Brasil durante a visita de integrantes da Comissão de Direitos Humanos e Minorias e da Frente Parlamentar Pelos Povos Indígenas ao estado, no último final de semana.
“Por isso é importante a vinda dos parlamentares à região. Abrir espaço para ouvir quem vivencia esta situação de conflito é fundamental e permite aos nossos representantes sentir de perto e compreender a situação que os índios vivenciam. E também a fragilidade da própria Funai neste momento de conflito e tensionamento”, declarou a coordenadora.
Entidades ligadas à causa indígena e órgãos governamentais apontam Mato Grosso do Sul como o estado mais perigoso para os índios viverem. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 250 indígenas foram mortos em Mato Grosso do Sul de 2003 a 2010. Embora muitas destas mortes sejam resultado de crimes comuns, como brigas entre os próprios moradores de uma comunidade, a maioria está ligada à luta pela terra que índios e fazendeiros travam há décadas. E, para especialistas, muitos dos crimes entre índios são consequência da situação de confinamento em reservas cuja área se tornou insuficiente para abrigar a todos, da falta de perspectivas ou da perda da identidade cultural, que, entre coisas, ocasiona a derrocada dos tradicionais mecanismos de mediação de conflitos internos.
“Eles são vítimas da miséria, da fome e do preconceito. Isso acaba por contribuir para a violência interna, de índios contra índios, o que tem contribuído para o crescimento da população carcerária indígena”, comentou Maria Aparecida, comparando a condenação de índios por crimes comuns à demora para que os denunciados por crimes contra os indígenas sejam levados a júri.
“Há uma lentidão por parte da Justiça para julgar os culpados pelas mortes dos índios [vítimas do conflito fundiário que se arrasta há décadas]. A cada nova ocorrência é aberto um inquérito policial. Alguns avançam, mas, de 28 processos judiciais, apenas dois foram a júri”, lembrou a coordenadora, referindo-se aos casos de Marçal de Souza e de Marcos Veron.
Também conhecido como Tupã-Ie, Souza foi assassinado em 25 de novembro de 1983, na Aldeia Compestre Ypê, localizada no município de Antônio João (MS), na fronteira do Brasil com o Paraguai. O fazendeiro, Líbero Monteiro de Lima, acusado de ser o mandante da morte do líder guarani foi absolvido em dois julgamentos. O capataz de Líbero, Rômulo Gamarra, acusado de ser o executor do crime, chegou a ser preso, mas também acabou absolvido.
O segundo julgamento a que ela se refere é o dos acusados pela morte do cacique Guarani Kaiowá, Marcos Veron, e de outros cinco índios. Veron foi morto a coronhadas por seguranças contratados para desocupar a Fazenda Brasília do Sul, em Juti (MS), em fevereiro de 2003. Os acusados Carlos Roberto dos Santos, Jorge Cristaldo Insabralde e Estevão Romero foram inocentados pela morte de Veron, mas condenados por sequestros, tortura, lesão corporal e formação de quadrilha. Coube recurso à decisão, mas a reportagem não conseguiu confirmar se a defesa questionou a determinação da Justiça.
O Ministério Público Federal (MPF) vai pedir que a Justiça Federal responsabilize o Estado brasileiro pela atual situação dos cerca de 50 mil índios Guarani Kaiowá que vivem em Mato Grosso do Sul.
Em 2009, a Agência Brasil já havia publicado uma série de matérias sobre os conflitos fundiários na região. O especial Duas realidades sobre o mesmo chão mostra as contradições em uma área onde indígenas em condições precárias vivem ao lado de latifúndios prósperos.
Alex Rodrigues
Enviado Especial*
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