Esse deveria ser o bordão a ser espalhado pela cidade de Dourados, segundo o Procurador da República em Dourados, Marco Antônio Delfino de Almeida. O argumento, apoiado em dados sobre PIB e proporção de terras indígenas de vários Estados brasileiros, foi apresentado durante debate sobre a demarcação de terras indígenas que aconteceu ontem na UFGD.
O Procurador criticou a cobertura da imprensa local a respeito do assunto e esclareceu como deverá funcionar o estudo para identificação das terras indígenas. “A imprensa repete à exaustão, quase como um mantra, a questão do desaparecimento de municípios [em função da demarcação]. Isso é absolutamente inverídico e traz medo e insegurança, provocando radicalismo”, alertou.
Contraponto do debate, o advogado Cícero Alves Costa, afirmou que esse impasse da demarcação afeta muitos segumentos da sociedade de Dourados, não apenas proprietários de terra. Cícero baseou grande parte de seus argumentos no Estatuto do Índio, documento que não tem mais validade em muitos pontos que foram atualizados pela Constituição Federal e pela Convenção 169 da OIT.
“Comunidade indígena sequer existe porque segundo o Estatuto do Índio, só é índio aquele que está isolado, como aqueles que foram mostrados em fotografia recentemente na Folha de São Paulo”, argumentou Cícero. “O que foi atualizado pela Constituição não pode ser considerado no Estatuto do Índio, principalmente as nomenclaturas preconceituosas do Estatuto”, rebateu Marco Antônio.
O advogado Cícero insistiu na argumentação de que a Funai atuará de modo arbitrário nos estudos para demarcação das terras. “Não há moralidade administrativa nesse processo. A Funai atua como parte interessada e juiz ao mesmo tempo. A propriedade passa a ser pública meramente por decreto da Funai e relato oral de índios”, alegou.
“Em momento algum está se falando em expropriação ou remoção: há todo um processo para se chegar a uma conclusão”, explicou o Procurado da República. “Por que os fazendeiros impedem o estudo se eles nem sabem qual pode ser o resultado? Essa paralisação dos estudos interessa apenas a uma pequena minoria que sabe que será afetada”, completou.
No entanto, segundo Cícero Alves, a Famasul realizou um estudo baseado no Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado pelo Ministério Público e pela Funai e pôde concluir que, com a demarcação, municípios serão extintos sim. “As terras que cabe à Funai demarcar são as de Reserva Indígena ocupadas atualmente por índios”, acrescenta.
“O Brasil assinou a Convenção 169 da OIT, que estabelece claramente que não é só o território ocupado na atualidade que é de direito do índio”, esclareceu Marco Antônio. “Em Mato Grosso do Sul, os índios não deixaram suas terras voluntariamente, eles foram retirados; era a política do Governo [naquela época]. “O que o propritário rural tem a ver com atitudes do Governo de ter tirado índios daqui e ter colocado acolá?”, questionou o advogado Cícero Alves.
“Atualmente, isso é considerado crime contra a humanidade. Essa política de remoção é extramamente nefasta. Não podemos, em uma atitude cínica, dizer que os índios não ocuparam as terras indígenas”, ressaltou o Procurador.
Enquanto o advogado Cícero Alves acusa o processo de demarcação de ter um caráter de “confisco” de terras, o Procurador da República Marco Antônio Delfino compara o impedimento dos estudos da Funai ao Tribunal da Inquisição e define a situação atual como um enredo Kafkaniano. “Corre-se o risco de se ter seus bens confiscados por uma decisão unilateral”, defendeu Cícero. “O trabalho antropológico não será necessariamente aprovado no processo administrativo do Governo”, explanou Marco Antônio, citando três casos em que isso já ocorreu durante processos de demarcação de terras indígenas no Brasil.
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