quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Terras indígenas e desenvolvimento sustentável

Terras Indígenas, conforme definição obtida no site da Funai (Fundação Nacional do Índio)[1], consiste em uma porção do território nacional, de propriedade da União, habitada por um ou mais povos indígenas e por ele (s) utilizada para suas atividades produtivas, imprescindível à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessária à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Trata-se de um tipo específico de posse, de natureza originária e coletiva, que não se confunde com o conceito civilista de propriedade privada.

A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 231, prevê:

São reconhecidos aos Índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens
O procedimento administrativo de demarcação de terras constitui um ato declaratório, ou seja, não se cria terras indígenas por ato constitutivo, mas sim a partir do reconhecimento de requisitos técnicos e legais.

Assim, o artigo supracitado da Carta Magna, em seu parágrafo 1º, realiza a classificação das terras consideradas indígenas, a saber:

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Por sua vez, o parágrafo 4ª do mesmo instituto dispõe que:

As terras de que se trata este artigo, são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescindíveis
Conforme informação obtida no site da Funai, atualmente existem 462 terras indígenas regularizadas, as quais representam cerca de 12,2% do território nacional.

A terra indígena é, portanto, a garantia de preservação do modo de vida diferenciado dos povos indígenas, cabendo exclusivamente a eles o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos. Ainda, apenas mediante autorização do Congresso Nacional poderá ser realizado o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais existentes em terras indígenas.

Pois bem, em tal contexto torna-se importante analisar as terras indígenas sob o prisma da sustentabilidade, já que a incorporação de objetivos ecológicos, como a conservação dos recursos hídricos, a atenuação da mudança do clima, a conservação de florestas e biodiversidades são inerentes aos objetivos traçados pela Constituição Federal para a conservação das terras indígenas.

Por tais motivos torna-se imprescindível a atuação do Ministério do Meio Ambiente, o qual desenvolve Políticas de ações voltadas para o desenvolvimento de Gestão Ambiental e Territorial através de estratégias integradas e participativas com vistas a alcançar a sustentabilidade e à autonomia dos povos indígenas.

A meta do Ministério, conforme informações obtidas em seu site[2], consiste na implantação de 51 planos de gestão ambiental e territorial de terras indígenas, além de cursos de formação continuada para 300 gestores não indígenas e 300 gestores indígenas para qualificar as ações de gestão ambiental e territorial de terras indígenas. Outra ação prevista é promover a gestão ambiental participativa das terras indígenas, por meio de planos, projetos e estruturação da capacidade de gestão etnoambientais, bem como atuar como interveniente nos processos de licenciamento ambiental de empreendimentos que possuam significativo potencial de impacto sobre as terras e povos indígenas.

Na esteira dos conceitos aqui descritos, cumpre destacar a Lei nº 6.001 de 19/12/1973, que “Dispõe sobre o Estatuto do Índio” e regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional.

Esta norma legal complementa e fundamenta diversos direitos e deveres atribuídos dos povos indígenas, e desdobra-se em diversas outras normas legais que reforçam o papel preservacionista ambiental que pode ser esperada dos meios de vida e tradições desses povos indígenas.

Todos os desdobramentos decorrentes da referida norma legal prestam-se a assegurar que o modo de vida indígena seja preservado e conservado para que as futuras gerações possam aprender e se apropriar das melhores referências reconhecidas dos povos indígenas.

Associando tais elementos aos conceitos do desenvolvimento sustentável clássico, conclui-se que os povos indígenas muito têm a contribuir com tais conceitos, visto que é inegável a integração e interação dos meios de vida indígena a todos os atributos fornecidos pela floresta, quer seja em recursos hídricos, edáficos e de subsistência.

Entende-se por desenvolvimento sustentável “O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades, significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais”, conforme definido pelo Relatório Brundtland.
Os povos indígenas conforme seus modos de vida tradicionais têm muito a contribuir com a sociedade em geral, uma vez que incorporam diversos elementos da sustentabilidade como parte integrante de sua vida diária. Como exemplo, um indígena tradicional não caça além de suas necessidades, prezando a preservação das espécies que asseguram a subsistência da aldeia.

Já está incorporada na cultura indígena a informação de que caçar além do necessário irá limitar a continuidade da disponibilidade da carne e outros insumos absolutamente necessários para assegurar a sobrevivência de toda a comunidade indígena. Estes conceitos são passados de pai para filho por gerações, sempre visando promover a oferta de alimento tanto em ocasiões de fartura quanto de escassez, normalmente associadas com variações climáticas cíclicas já conhecidas.

Também está incorporada na cultura indígena a utilização do solo de forma racional, sempre promovendo o melhor aproveitamento possível de suas capacidades. O plantio de espécies vegetais que possam ser consumidas é parte integrante da cultura indígena, sempre procurando o uso racional do solo e nunca promovendo a utilização de produtos que possam vir a comprometer a capacidade da terra em continuar a produzir produtos saudáveis para o consumo.

Da mesma forma, o modo de vida indígena preserva os recursos hídricos disponíveis no ecossistema integrante, visto que nenhuma das atividades exercidas para a sobrevivências dessas comunidades tem a capacidade de limitar a demanda dos recursos hídricos disponíveis nos locais onde os povos indígenas coexistem com as ofertas da natureza.

A sociedade moderna, alicerçada em conceitos de consumo exacerbado e muitas vezes sem critérios que assegurem a sua real necessidade, normalmente vai na direção contrária do desenvolvimento sustentável, muito tendo a aprender com a simplicidade do modo de vida indígena. Guardadas as devidas proporções das necessidades de sobrevivência, é fundamental incutir no modo de pensar de todas as pessoas a importância de assegurar a continuidade de todos os recursos que necessitamos para a nossa sobrevivência.

A recente carência de água para as necessidades básicas que estamos vivendo na região Sudeste é um exemplo próximo da importância de se dar atenção a elementos que aparentemente parecem simples e cotidianos, mas quando nos afetam de forma mais drástica podem colocar todo nosso modo de vida em risco, com investimentos muito significativos para manter padrões mínimos de conforto e saúde.

O exemplo acima exposto é um exemplo do quanto nosso distanciamento e indiferença em relação a elementos do meio ambiente, que é um dos pilares básicos do desenvolvimento sustentável, pode afetar de forma significativa toda uma sociedade, que se torna refém dos caprichos do clima. Ações conjuntas e individuais de conscientização no uso racional dos recursos naturais, como nos ensinam as tradições indígenas, poderiam ter efeito determinante para impedir este atual estado de coisas.

Cabe ressaltar que existem diferenças relevantes entre as necessidades de comunidades indígenas e as de aglomerações urbanas organizadas em cidades, porém os conceitos da sustentabilidade são comuns a todas as formas de organização humana, independentemente da quantidade de pessoas envolvidas e das culturas envolvidas.

Aprender com sociedades que se relacionam naturalmente com a natureza é ponto fundamental para que se possa assegurar a sobrevivência digna de aglomerações urbanas cada vez mais densas e dependentes do fornecimento contínuo de recursos que assegurem a sobrevivência de todos os seus componentes.

As ações de preservação dos recursos naturais, apesar de óbvias a todos, dificilmente são praticadas individualmente, e quando ocorre a ausência drástica desses recursos as consequências são percebidas indistintamente de classes ou posições sociais.

A lição que se pode empreender da comparação entre o modo de vida das populações indígenas e o modo de vida de grandes aglomerações urbanas, no tocante ao desenvolvimento sustentável, é que as populações indígenas, mesmo sem as imensas demandas de recursos requeridas pelas aglomerações urbanas, já pensavam na preservação desses recursos para a sobrevivência em períodos de maior escassez, assegurando desta forma a sobrevivência de sua espécie.

Conclui-se desta forma que o conceito clássico de desenvolvimento sustentável tem no modo de vida indígena raízes que podem servir de esteio para fundamentar a conscientização que todos devemos possuir para assegurar que as futuras gerações necessitarão dos mesmos recursos que utilizarmos, de forma íntegra e abundante, para que tais gerações possam sobreviver dignamente e assegurar a continuidade de nossa sobrevivência.

[1] Site: http://www.funai.gov.br. Acesso em 04/11/2014 ás 15:20

[2] Site: www.mma.gov.br. Acesso em 04/11/2014 ás 15:20

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