A
história de violência vivida pelo povo Tupinambá nas décadas de 1930 e
1940, se repete na Serra do Padeiro, sul da Bahia. Apesar do regime hoje
ser democrático e, desde 1988, a
Constituição Federal assegurar, de modo claro e assertivo, os direitos
dos povos indígenas às suas terras tradicionais, ao invés de finalizar o
processo demarcatório e solucionar definitivamente esta questão, a
opção do governo Dilma foi a de enviar a Polícia Federal e a Força
Nacional para a área indígena. Durante as duas últimas madrugadas (29 e
30 de janeiro), os Tupinambá, que permanecem no mato após a reintegração
de posse das fazendas Sempre Viva e Conjunto São José, foram alvos não
só de armas de fogo, mas também de granadas, segundo eles mesmos
relataram.
O processo de identificação da Terra Indígena Tupinambá teve início em 2004. Cinco anos depois, em abril de 2009, a
Fundação Nacional do Índio (Funai) aprovou o relatório circunstanciado,
no qual reconhece que “a área na qual se situa o imóvel litigioso é
terra indígena tradicionalmente ocupada, cuja posse e usufruto são
exclusivos da Comunidade Tupinambá”. O encaminhamento do relatório foi
feito ao Ministério da Justiça, que tinha um prazo de 30 dias, de acordo
com o decreto 1775/96, para a expedição da portaria declaratória. O
Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, insiste em desrespeitar
a legislação brasileira, de modo especial a Constituição Federal. É
inaceitável que, em vez de dar seguimento ao devido procedimento
administrativo, o governo instale uma base policial em uma terra reconhecidamente indígena.
Segundo
a diretora da escola indígena, Magnólia Tupinambá, na madrugada de hoje
(30/01), mais viaturas policiais chegaram na área. “O tiroteio foi
ainda maior que na noite anterior. Parecia que iam derrubar as casas de
tanto tiro. Foi muito tiro mesmo, e granada também. Mesmo a 6 km
de distância você assustava com tanto tiro. E a gente se pergunta: por
que o governo tá atirando nos indígenas? Por que tá agindo do mesmo
jeito que na época da ditadura? Por que toda esta violência contra nós?
Só queremos o que é nosso de direito”, questiona ela.
Além do episódio em que a Polícia Federal foi acusada de torturar cinco indígenas Tupinambá em 2009, em uma área retomada (Ação Civil Pública nº 001825-23.2010.4.01.3311 – JF/Itabuna), a
diretora Magnólia refere-se à brutal perseguição do cacique Marcellino,
que vitimou toda a comunidade Tupinambá na época da intensificação da
agricultura cacaueira. Na década de 1930, ao tentar frear a penetração
dos não índios, contratados
pelos coronéis, no território Tupinambá, o cacique resistiu a sucessivos
confrontos com a polícia. No entanto, em 1937, Marcellino desapareceu.
Os índios afirmam que ele foi levado para o Rio de Janeiro. O certo é
que nunca mais retornou.
Este trecho de um artigo publicado, em outubro de 2013, na revista Carta Capital dá
a dimensão da violência a que se referem os Tupinambá: “Quando
procuravam Marcellino, certa noite, os policiais invadiram um sítio
habitado por três indígenas – os irmãos Flaviano, Lourenço e Rufino – e
suas famílias. Para que informassem o paradeiro do 'bando', os irmãos
foram amarrados, açoitados com varas e interrogados. Os filhos menores
de Rufino foram poupados, mas os dois mais velhos, Estelina Maria
Santana e seu irmão Pedro, levaram uma surra de bainha de facão.
Estelina morreu em 1987. A
história quem conta é um de seus filhos, que vive em uma área retomada.
Em sua perspectiva, o imperativo de recuperar o território tem a ver,
junto às questões materiais, com uma obrigação moral, em memória de
Estelina. Também participa do processo de retomada a filha de outro
indígena torturado na perseguição a Marcellino, Manoel Liberato de
Jesus, o Duca, que teve unhas arrancadas a saibro e a orelha esquerda
pregada na parede. Ao fazê-lo, os policiais avisaram: se ainda estivesse
ali quando voltassem, morreria. 'Meu pai fez força, rasgou a orelha e
saiu'. O lóbulo acabou permanentemente mutilado, como se pode ver no
retrato em sua carteira de filiação ao Sindicato Rural de Ilhéus,
guardada pela filha”.
O
Conselho Indigenista Missionário (Cimi) entende que a militarização do
território Tupinambá somente agrava a situação vivida pelos Tupinambá e
ocupantes não índios. A solução
do caso depende, necessariamente, da imediata publicação da portaria
declaratória da Terra Indígena Tupinambá, bem como, o pagamento das
indenizações devidas aos ocupantes não indígenas e o reassentamento
daqueles que têm perfil para a reforma agrária. É inteira
responsabilidade do governo Dilma evitar ou causar uma tragédia na Serra
do Padeiro, terra do povo Tupinambá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário