terça-feira, 10 de setembro de 2013

Médicos cubanos vão para aldeias indígenas

Bernardo Madrazo, um médico cubano que trabalhou na África, Guatemala e Venezuela, se prepara junto com dezenas de compatriotas para trabalhar nas aldeias indígenas mais distantes da Amazônia, aonde os médicos brasileiros não querem ir. "A Amazônia será muito diferente do que fiz antes. Estou muito animado", explica o afro-cubano procedente de Cienfuegos, que, aos 47 anos, tem 23 de experiência médica (dois na Guatemala, dois no Lesoto e quatro na Venezuela). Seu destino será o Vale do Javari, uma área de tribos isoladas na fronteira com o Peru.
O governo de Dilma Rousseff lançou o programa Mais Médicos para preencher 15 mil vagas nas regiões remotas e pobres do País. Serão 4 mil médicos cubanos e centenas de argentinos, venezuelanos, espanhóis e portugueses, entre outros.

"O principal problema será a língua. Estudamos muito português, mas os indígenas não falam português, vamos ter que aprender suas línguas", explica Ania Ricardo, outra cubana que passou três anos em bairros pobres e violentos de Caracas e que agora irá para uma aldeia no rio Solimões, na Amazônia.

Junto com outros 40 compatriotas que chegam ao Brasil com um contrato de três anos, Madrazo e Ania tiveram seus primeiros contatos com indígenas brasileiros nesta sexta-feira, com um treinamento na Casa de Saúde Indígena, a 25 km de Brasília, um local que abriga pacientes submetidos a tratamentos e cirurgias complicados de todo o País.

O pequeno Ruberilson, 12 anos, dono de um belo sorriso e grandes cicatrizes escondidas por um boné, caminha batendo com sua bengala entre os cubanos depois de ter ficado cego há alguns meses. Ele se comunica em idioma ianomami.

"Era um tumor benigno, mas demorou em ser atendido e afetou o nervo óptico. Será difícil seu retorno para a aldeia ianomami, porque é uma sociedade onde cada um tem sua função, pescar, caçar", explica uma encarregada do curso para os cubanos.

"O governo está determinado a dar prioridade à saúde indígena" e cobrir essas praças muitas vezes rejeitadas pelos médicos brasileiros porque são áreas muito remotas e que "requerem uma habilidade para tratar com uma cultura e hábitos muito diferentes", explica à AFP Antonio Alves de Souza, secretário de Saúde Indígena do governo brasileiro. "São culturas que consideram o pajé como um médico e acreditam que a doença é do espírito e não do corpo. Não pode chegar alguém com essa visão de que a ciência do homem branco domina o mundo", explica.

A melhoria dos serviços de saúde pública foi uma das grandes reivindicações das manifestações que tomaram as ruas do Brasil em junho. Mas o programa também gerou controvérsia. Apesar de os médicos estrangeiros irem para as praças aonde os brasileiros não chegam, alguns deles foram recebidos nos aeroportos com vaias e declarações racistas.

Uma polêmica surgiu porque os cubanos recebem apenas parte dos R$ 10 mil que o Brasil paga, uma vez que o dinheiro é destinado ao governo de Havana. "Em Cuba, temos tudo garantido pelo Estado, eu não paguei um centavo para me formar, é nosso sistema, como também nos incutem a solidariedade de sair para exercer (a medicina) fora", explica Ania.

Sétima economia do planeta, o Brasil tem uma taxa de 1,8 médico por 1 mil habitantes, menos que Argentina (3,2) ou Grã-Bretanha (2,7).

"A saúde no País estava cada vez mais precária. Realmente precisamos destes médicos estrangeiros, e talvez incentivem nossos médicos a trabalhar melhor, me refiro aos que não querem ir a locais distantes ou atendem mal", diz Kenia Gomes de Matos, enfermeira da Casa de Saúde Indígena.

Nenhum comentário: