Direito indígena prepondera sobre títulos de posse e escrituras públicas, afirma desembargador. Demarcação decorre de acordo entre MPF e Funai
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) negou recurso do município de Sete Quedas (MS), que pedia o cancelamento dos estudos de identificação e delimitação de terras indígenas em sua área. O desembargador Henrique Herkenhoff, relator do processo, indeferiu pedido de liminar e afirmou que o município confunde interesse financeiro com interesse jurídico, ao invocar direito de propriedade de terceiros (proprietários de terras). A decisão determina que os estudos são necessários porque é preciso uma prova “contundente para definir a ocorrência ou não da posse indígena nos imóveis, bem como para verificar, nos casos de perda da posse, a forma pela qual os silvícolas deixaram de ocupar os imóveis”. O desembargador se refere ao julgamento da demarcação da terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em que o Supremo Tribunal Federal (STF), considerou a promulgação da Constituição (5/10/1988) como o marco temporal para aferir a posse indígena de um território. Direito indígena prepondera sobre títulos de posse - Ele ressalta que o STF também decidiu que a tradicionalidade da posse indígena não se perde “se a reocupação apenas não ocorreu em decorrência de esbulho (ocupação ilegítima) por parte de não índios”. Isso porque a Constituição “denomina o direito dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam de originário, o que traduz um direito que prepondera sobre pretensos direitos adquiridos, como os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não índios”. O argumento do município era que os documentos que comprovariam a titularidade das propriedades seriam suficientes para comprovar a posse por não índios, sendo desnecessários os estudos antropológicos. Recurso negado - O município recorreu ao TRF3 depois de ter o mesmo pedido negado pela Justiça Federal de Mato Grosso do Sul. Na época, a Justiça decidiu que somente com os estudos é que poderia definir-se “a forma pela qual os indígenas deixaram de ocupar os imóveis. Se a perda da posse deu-se de forma pacífica, se houve abandono do local, se houve tentativas de retorno”. O mérito do recurso ainda será julgado por uma turma de três juízes do tribunal. TAC das demarcações - O termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), em novembro de 2007. O documento determina a realização de estudos antropológicos em 26 municípios da região sul do estado, para posterior demarcação de territórios de tradicional ocupação indígena. Muito índio, pouca terra - Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena do país, cerca de 70 mil pessoas divididas em várias etnias. Apesar disso, somente 0,2% da área do estado é ocupada por terras indígenas. As áreas ocupadas pelas lavouras de soja (1.100.000 ha) e cana (425.000 ha) são, respectivamente, dez e trinta vezes maiores que a soma das terras ocupadas por índios em Mato Grosso do Sul. A taxa de mortalidade infantil entre a etnia guarani-kaiowá é de 38 para cada mil nascidos vivos, enquanto a média nacional é de 25 mortes por mil nascimentos. Já a taxa de assassinatos - cem por cem mil habitantes - é quatro vezes maior que a média nacional, enquanto a média mundial é de 8,8. O índice de suicídios entre os guarani-kaiowá é de 85 por cem mil pessoas. Em Dourados, há uma reserva com cerca de 3600 hectares, constituída na década de 1920. Existem ali duas aldeias - Jaguapiru e Bororó - com cerca de 12 mil pessoas. A densidade demográfica é de 0.3 hectares/pessoa. Relatório da Survival International (ONG com status consultivo no Conselho Econômico e Social das Nações Unidas) para o Comitê da ONU para Eliminação da Discriminação Racial reitera este quadro: "Profundamente afetados pela enorme perda de suas terras, os guarani do Mato Grosso do Sul passam por uma onda de suicídios de proporções inigualáveis na América do Sul. Eles também sofrem com altos índices de detenções injustas, exploração em local de trabalho, desnutrição, violência, homicídio e assassinato."
Clique aqui para ler a decisão. Referência processual no Tribunal Regional Federal da 3ª Região: 0020769-58.2010.4.03.0000 Assessoria de Comunicação Social Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul
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