segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A alma do índio

Índio tem alma? Claro que tem. Ele não é jacaré, lambari ou gavião. Ele é índio, é um ser humano, é homo sapiens e eu posso provar que ele tem alma. Não essa alma chata, sem graça, bíblica imposta pelos cristãos. Mas uma boa e pura alma de índio.

Os não-índios – brancos, cristãos, europeus e negros, africanos, escravos ou não – quase destruíram completamente os povos indígenas da face da terra. Se restaram alguns foi porque não tiveram tempo de completar esse genocídio.

Acabaram com nações, etnias, tribos e aldeias; liquidaram com sua cultura material e imaterial, seus saberes ancestrais, sua religiosidade e crenças, seus mitos e lendas, suas línguas mater; arrasaram seus espaços de vida; acabaram com seus meios de sobrevivência; escravizaram-nos, mantendo-os séculos sob correntes e processos avassaladores de aculturação; mataram os pajés, os caciques, os guerreiros, as mulheres e as crianças.

Mas...o índio sobreviveu. Entrou por terra adentro, escondeu-se, migrou para outros lados, adaptou-se a novas regiões, reaprendeu a viver e, afinal, sobreviveram. Os invasores destruíram suas aldeias, mas a suas almas ficaram por ali, entre aqueles escombros; acabaram com seus campos de caça, mas as suas almas permaneceram caçando e fornecendo alimentos aos sobreviventes; tentaram mudar sua religião, impingindo-lhes o cristianismo, mas as almas fingindo que aceitavam a nova escrita bíblica permaneceram com as suas antigas crenças; ensinaram o português, mas as suas almas conversavam entre si na língua familiar ancestral; assinaram as famílias, mas suas almas continuavam a transmitir os saberes ancestrais.

Enfim, o homem “civilizado” destruiu fisicamente milhares de índios, mas não conseguiu destruir as suas almas. E as almas dos mortos transmitiram às almas dos sobreviventes, quase que num processo genético-espiritual - se é que existe isso – toda a sua cultura, os seus saberes, as suas línguas, os seus costumes, a sua vontade férrea de sobreviver e de se superar.

E nessa força de sobrevivência, tendo que se adaptar à nova ordem branca, européia e cristã, alguma coisa o índio pôde se apropriar e se beneficiar da nova cultura “civilizada” em que foi inserido. A escrita.

Os índios desde tempos memoriais iniciaram seus relatos a partir da pintura rupestre, onde contavam suas aventuras, seus mitos, suas histórias, cujos significados as almas desses índios não transmitiram nem para os brancos nem para os seus descendentes atuais. Dessa arte rupestre partiram para a escrita que aprenderam com os brancos e essa passagem ocorreu por honra e graça de suas almas, que assim os convenceram a se manifestar.

Temos hoje vários índios que escrevem suas crônicas, seus poemas, seus contos, seus romances, sempre com a temática étnica de seu povo e de seus ancestrais. Com essa nova forma de cultura apreendida com a necessidade dos tempos, suas almas podem se manifestar, informar, resgatar, pleitear, reivindicar, transformar e principalmente adaptar-se a um novo mundo em que estão inseridas. Os índios, de corpo e alma, estão realmente em um novo universo em que podem participar de saraus literários, publicar livros, editar jornais e revistas. Mostram ao mundo o seu pensamento, a sua história, a sua alma.

Para reconhecer a alma do índio, que o faz refletir, pesquisar, escrever e publicar, criou-se a Feira do Livro Indígena de Mato Grosso. Um momento da arte, da literatura, de encontros e reencontro. O encontro de um país e sua diversidade.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pow, que texto.
Parabens

Marcos Santi
www.marcosdanielsanti.blogspot.com