terça-feira, 16 de setembro de 2008

A “VIA CRUCIS” DA SAÚDE INDÍGENA NO BRASIL (II)

Um dos maiores mistérios da saúde indígena em Roraima tem o nome de Incentivo para Assistência Hospitalar às Populações Indígenas (IAHPI). Em 2004, após o estouro da cooperativa de terceirização de recursos humanos (COOPERPAI) em Boa Vista, o Ministério da Saúde abriu um processo administrativo para apurar o desvio de R$ 500.000,00 do incentivo para um convênio fantasma entre a cooperativa e a SESAU. Os números não batem: a Secretária Estadual de Saúde diz que existe um saldo não utilizado em torno de R$ 1.200.000,00 , e que o recurso do incentivo só foi repassado até 2004. O Ministério da Saúde diz que o repasse foi retomado em outubro de 2005, e pelas contas deveria haver um saldo em torno de R$ 4.500.000,00 nos cofres da Secretaria Estadual de Saúde. Daria para comprar algumas da ambulâncias prometidas para a Casa de Saúde do Índio (CASAI-RR). E quem sabe sobraria para a compra de microscópios, radiofonias, balanças de pesar, mobiliários, entre tantos outros equipamentos para os postos de saúde das comunidades, há tantos anos prometidos pela FUNASA, mas nunca concretizado. A estrutura dos prédios e equipamentos nos Distritos Sanitários Indígenas de Roraima está totalmente deteriorada. As condições dos veículos e barcos colocam em sério risco a vida de profissionais e pacientes. Soma-se a isto a falta crônica de medicamentos básicos e combustíveis, desde que a aquisição destes insumos passou a ser de responsabilidade da FUNASA. Fala-se que está em curso uma ampla reorganização da atenção à saúde indígena no país. A proposta é passar a gestão para um órgão dentro do próprio Ministério da Saúde, subordinada à nova Secretaria de Atenção Primária à Saúde cuja proposta de criação já foi encaminhada ao Presidente Lula. A proposta do movimento indígena desde as primeiras conferências, é criar uma Secretaria Especial de Saúde Indígena, de caráter executivo, e ligada diretamente ao Ministro da Saúde. Os povos indígenas já tem um “sub-sistema”, e agora se tenta criar uma “sub-secretaria”. Como disse o Sr. Clóvis Ambrósio, etnia Wapichana, presidente do Conselho Distrital de Saúde (CONDISI) do DSEI Leste de Roraima: seria um carrapato pendurado em um elefante... Mas já é uma grande vitória o governo federal avançar no rumo das propostas aprovadas nas quatro Conferências Nacionais de Saúde dos Povos Indígenas. A autonomia dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas é um passo indispensável, funcionando como unidades gestoras, com fundos distritais de saúde, e com coordenações escolhidas democraticamente junto ao povo indígena. A municipalização da saúde indígena ainda é uma ameaça muito presente no horizonte, mas o Ministério Público Federal está bastante atento em relação às várias iniciativas neste sentido. O Conselho Indígena de Roraima (CIR), responsável pela execução da maior parte da atenção primária à saúde das comunidades indígenas do DSEI Leste de Roraima desde o primeiro convênio firmado por iniciativa do Ministro Adib Jatene em 1996, está sob séria ameaça de ser alijado de suas funções, sob a alegação de existência de irregularidades administrativas e incapacidade técnica de gerir os programas de saúde. Este é mais um capítulo da guerra feroz movida pelas elites de Roraima e do país, enraizadas nos diversos órgãos da máquina pública, e motivada principalmente pelo processo de homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Tenta-se desqualificar as organizações indígenas, com denúncias de desmandos e deficiências administrativas, em sua maior parte causadas pela ineficácia administrativa e entraves burocráticos criados pelo próprio órgão gestor da saúde indígena no país. O coordenador geral do CIR Sr. Dionito José de Souza, etnia Macuxi, em reunião recente com o diretor do Departamento de Saúde Indígena da FUNASA Dr. Wanderley Guenka na cidade de Boa Vista, afirmou que o CIR aceita interromper o convênio, mas em condições justas que não comprometam a situação administrativa geral da organização; e que exige garantias de que a assistência à saúde das comunidades será mantida, sem prejuízos ainda maiores à população indígena do estado. O CIR reivindica uma auditoria profunda e isenta dos aspectos técnicos e assistenciais do convênio, e que avalie também a relação custo-benefício e o grau de satisfação das comunidades indígenas. A advogada do CIR Dra. Joênia Carvalho, etnia Wapichana, na sessão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF) que iniciou o julgamento da legalidade da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, lamentou a enorme discriminação que ainda pesa sobre os povos indígenas no Brasil, citando a Convenção 169 da OIT e a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU. Nestes documentos se fala claramente do direito de autodeterminação dos povos indígenas, e da participação efetiva na gestão de todas as políticas públicas que lhes digam respeito. Basta dos resquícios de autoritarismo dos tempos da ditadura, em que os órgãos públicos movidos por interesses partidários e corporativistas se consideram os donos dos recursos financeiros e do poder de decisão política, deixando os conselhos de controle social exclusivamente com o papel de figurantes. Paulo Daniel Moraes – Pastoral Indigenista da Diocese de Roraima eSetor de Saúde do Conselho Indígena de Roraima (CIR).Boa Vista, 12 de setembro de 2008. Um dos maiores mistérios da saúde indígena em Roraima tem o nome de Incentivo para Assistência Hospitalar às Populações Indígenas (IAHPI). Em 2004, após o estouro da cooperativa de terceirização de recursos humanos (COOPERPAI) em Boa Vista, o Ministério da Saúde abriu um processo administrativo para apurar o desvio de R$ 500.000,00 do incentivo para um convênio fantasma entre a cooperativa e a SESAU. Os números não batem: a Secretária Estadual de Saúde diz que existe um saldo não utilizado em torno de R$ 1.200.000,00 , e que o recurso do incentivo só foi repassado até 2004. O Ministério da Saúde diz que o repasse foi retomado em outubro de 2005, e pelas contas deveria haver um saldo em torno de R$ 4.500.000,00 nos cofres da Secretaria Estadual de Saúde. Daria para comprar algumas da ambulâncias prometidas para a Casa de Saúde do Índio (CASAI-RR). E quem sabe sobraria para a compra de microscópios, radiofonias, balanças de pesar, mobiliários, entre tantos outros equipamentos para os postos de saúde das comunidades, há tantos anos prometidos pela FUNASA, mas nunca concretizado. A estrutura dos prédios e equipamentos nos Distritos Sanitários Indígenas de Roraima está totalmente deteriorada. As condições dos veículos e barcos colocam em sério risco a vida de profissionais e pacientes. Soma-se a isto a falta crônica de medicamentos básicos e combustíveis, desde que a aquisição destes insumos passou a ser de responsabilidade da FUNASA. Fala-se que está em curso uma ampla reorganização da atenção à saúde indígena no país. A proposta é passar a gestão para um órgão dentro do próprio Ministério da Saúde, subordinada à nova Secretaria de Atenção Primária à Saúde cuja proposta de criação já foi encaminhada ao Presidente Lula. A proposta do movimento indígena desde as primeiras conferências, é criar uma Secretaria Especial de Saúde Indígena, de caráter executivo, e ligada diretamente ao Ministro da Saúde. Os povos indígenas já tem um “sub-sistema”, e agora se tenta criar uma “sub-secretaria”. Como disse o Sr. Clóvis Ambrósio, etnia Wapichana, presidente do Conselho Distrital de Saúde (CONDISI) do DSEI Leste de Roraima: seria um carrapato pendurado em um elefante... Mas já é uma grande vitória o governo federal avançar no rumo das propostas aprovadas nas quatro Conferências Nacionais de Saúde dos Povos Indígenas. A autonomia dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas é um passo indispensável, funcionando como unidades gestoras, com fundos distritais de saúde, e com coordenações escolhidas democraticamente junto ao povo indígena. A municipalização da saúde indígena ainda é uma ameaça muito presente no horizonte, mas o Ministério Público Federal está bastante atento em relação às várias iniciativas neste sentido. O Conselho Indígena de Roraima (CIR), responsável pela execução da maior parte da atenção primária à saúde das comunidades indígenas do DSEI Leste de Roraima desde o primeiro convênio firmado por iniciativa do Ministro Adib Jatene em 1996, está sob séria ameaça de ser alijado de suas funções, sob a alegação de existência de irregularidades administrativas e incapacidade técnica de gerir os programas de saúde. Este é mais um capítulo da guerra feroz movida pelas elites de Roraima e do país, enraizadas nos diversos órgãos da máquina pública, e motivada principalmente pelo processo de homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Tenta-se desqualificar as organizações indígenas, com denúncias de desmandos e deficiências administrativas, em sua maior parte causadas pela ineficácia administrativa e entraves burocráticos criados pelo próprio órgão gestor da saúde indígena no país. O coordenador geral do CIR Sr. Dionito José de Souza, etnia Macuxi, em reunião recente com o diretor do Departamento de Saúde Indígena da FUNASA Dr. Wanderley Guenka na cidade de Boa Vista, afirmou que o CIR aceita interromper o convênio, mas em condições justas que não comprometam a situação administrativa geral da organização; e que exige garantias de que a assistência à saúde das comunidades será mantida, sem prejuízos ainda maiores à população indígena do estado. O CIR reivindica uma auditoria profunda e isenta dos aspectos técnicos e assistenciais do convênio, e que avalie também a relação custo-benefício e o grau de satisfação das comunidades indígenas. A advogada do CIR Dra. Joênia Carvalho, etnia Wapichana, na sessão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF) que iniciou o julgamento da legalidade da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, lamentou a enorme discriminação que ainda pesa sobre os povos indígenas no Brasil, citando a Convenção 169 da OIT e a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU. Nestes documentos se fala claramente do direito de autodeterminação dos povos indígenas, e da participação efetiva na gestão de todas as políticas públicas que lhes digam respeito. Basta dos resquícios de autoritarismo dos tempos da ditadura, em que os órgãos públicos movidos por interesses partidários e corporativistas se consideram os donos dos recursos financeiros e do poder de decisão política, deixando os conselhos de controle social exclusivamente com o papel de figurantes. Paulo Daniel Moraes – Pastoral Indigenista da Diocese de Roraima eSetor de Saúde do Conselho Indígena de Roraima (CIR).Boa Vista, 12 de setembro de 2008.

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