Entre
1967 e 1985 andei pelo Brasil “soprando as cinzas” de povos já
considerados extintos, buscando animar o fogo escondido sob as cinzas da
crueldade histórica e da violência então em curso, pela Ditadura
Militar contra os remanescentes povos indígenas brasileiros. Em 1969
criei a Operação Amazônia Nativa (Opan) e em 1972 ajudei a criar o
Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organizações que até hoje
fortalecem a causa destes povos. Considero-me também um dos fundadores
do Partido dos Trabalhadores aqui no Norte, em especial, nos municípios
de Itacoatiara e Presidente Figueiredo, onde resido. Colaborei na
redação do documento que contem as linhas do PT sobre política
indigenista, aprovado, por unanimidade, na primeira Assembleia Nacional
do Partido em 1980. Gostaria que lesse estas linhas de ação do Partido e
comparasse com o que está sendo aplicado pelo seu Governo hoje.
Assim,
desde 1963, venho-me dedicando a causa destes remanescentes indígenas
cuja sobrevivência era, então, considerada uma “causa perdida”. E a
Ditadura Militar já destinava, previamente, as suas terras à
latifundiários e mineradores que até hoje estão de olho grande sobre as
mesmas. Assim as terras dos kiña ou Waimiri-Atroari, daqui, em cuja
cercania moro, já haviam sido destinadas a 14 empresas de mineração.
Colaborei
também na organização das primeiras Assembleias indígenas do país, que
mudaram a rota da política genocida, montada pelos governos, desde os
tempos do Brasil Colônia para o extermínio desses povos. Convivi com
eles e de passagem pelas cidades dava notícias da sua situação à
professores e alunos de universidades, à comunidades e aos jornais. E
enquanto você sofria nas prisões da Ditadura a solidão e a tortura, no
interior do país eu sofria a censura e a perseguição dos mesmos
militares. O Cimi do qual fui o primeiro secretário executivo sofreu
represálias pela Ditadura Militar bem como até hoje continua odiado
pelos ditadores modernos instalados no agronegócio, nas mineradoras e na
bancada ruralista.
Mas,
eis que a partir de 1974 esses povos indígenas começam a se organizar.
Mais e mais apoios começam a surgir por todo o Brasil e aqueles povos
pobres, os mais pobres do país, cujas terras eram objeto de invasões de
grandes projetos do Governo Federal, de grilagem da parte de mineradoras
e fazendeiros e cuja sobrevivência era considerada uma “causa perdida”,
começam a aparecer insistentes nos jornais e acabaram sendo os
primeiros a balançar a Ditadura Militar.
Recordo-me que na virada do ano de 1978-79, a
CNBB convidou o líder indígena Daniel Matenho Cabixi, para participar
da Assembleia do CELAM em Puebla/México. Os ditadores, por certo já
temendo a força indígena, não lhe deram o visto de saída do País.
Em 1980 quando do IV Tribunal Russell sobre os Direitos dos povos Indígenas das Américas,
em Rotterdam quis repetir a determinação impedindo a saída do cacique
Mario Juruna Xavante, escolhido para presidir aquele Tribunal. Pela
primeira vez foi derrotada pela pressão nacional e internacional.
Durante a realização do Tribunal os militares ditadores foram forçados a
ceder e tive a honra de receber o cacique Juruna no Aeroporto de
Amsterdam e acompanhá-lo até o local da realização do Tribunal, onde
ainda chegou a tempo para presidir a sessão de encerramento.
É
possível que você nunca tenha tido a experiência de sentir a força que
estas populações humildes, sem armas e sem voz, encerram, achando, por
isso, que só os poderosos, os donos das empresas e os políticos lhe
possam dar governabilidade. Tudo bem, com eles você chegará ao fim do
seu governo, mas de que forma? Com certeza, frustrada e derrotada nos
ideais que a levaram a sofrer prisão e torturas, e mais humilhada do que
se tivesse governado apenas um dia ao lado dos perseguidos e oprimidos
por esses poderosos que agora a dominam e a encurralam. Pois não foram
certamente os indígenas os autores do “panelaço”, durante a sua fala ao
povo brasileiro e nem da recente parada nacional dos caminhoneiros, como
não foram os Mapuche do Chile que organizaram em 1973 a greve dos caminhoneiros que derrubou o Governo Allende.
Além
do mais os povos indígenas vivem o socialismo. E o PT não é um partido
socialista? Não estão eles abrindo caminho ao socialismo que o PT está
buscando? Por que, então, este desrespeito aos seus direitos e abandono
quando os favorecidos diretos são os maiores inimigos do socialismo?
Tudo isto é ininteligível neste seu governo, e intolerável.
Finalmente,
muito maior e mais grave do que nós sofremos durante a Ditadura
Militar, foi o sofrimento dos povos indígenas neste mesmo período, pois
atingia não apenas adultos, mas a todo o povo igualmente. O mesmo
PARASAR que bombardeou os guerrilheiros do Araguaia nos anos 70, no
mesmo período, bombardeou aldeias Waimiri-Atroari. Daí a minha pergunta:
Por que não aliviar de uma vez o sofrimento destes povos? Sofrimento
que continua igual? Por quê?
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