quinta-feira, 6 de março de 2014

A verdade sem medo: Comissão Indígena da Verdade e Justiça avalia os trabalhos


A memória e a verdade, mais do que resultados, produtos e relatórios, são processos coletivos e individuais de lutas por direitos históricos, por reparação e justiça. Com essa percepção e dentro de um momento conjuntural propício a iniciativas nesta perspectiva foi criada, em agosto de 2013, a Comissão Indígena da Verdade e Justiça.
O tempo é favorável à emergência de verdades ocultadas por décadas e séculos.  É a insurgente memória perigosa que aflora e busca seu espaço nos processos de mudanças e transformações sociais, na construção de novas sociedades.
A Comissão Nacional da Verdade, criada por pressão da sociedade civil, em 2012, ensejou a criação de inúmeras comissões país afora, à semelhança do que ocorreu em outros países da América do Sul, como Argentina e Chile. Foi nesse bojo que se constituiu a Comissão Indígena da Verdade e Justiça, criada pelo movimento indígena e aliados. São ferramentas para dar vazão à urgente necessidade de passar a história colonialista a limpo e dar a voz e a vez às vítimas, aos oprimidos, em especial os que sempre foram preteridos e relegados ao segundo plano e discriminados, como no caso dos povos indígenas.
A Comissão Indígena da Verdade e Justiça esteve reunida em Brasília neste mês de fevereiro para avaliar o andamento dos trabalhos, traçar rumos e definir estratégias. Participaram lideranças indígenas, pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coiab, Apoinme, Aty Guassu, Arpinsul e entidades aliadas, dentre as quais o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Armazém da Memória e a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), dentre outros.
Numa rápido olhar sobre a caminhada foram levantados os principais desafios e perspectivas. Todos manifestaram seu desejo de contribuir para que esse instrumento de luta pelos direitos indígenas se consolide e desperte a consciência nacional quanto às violências e genocídio a que foram submetidas as populações indígenas, especialmente pela ditadura militar. Mais do que um bom relatório, a Comissão Indígena alimenta a esperança de que se dê visibilidade a fatos marcantes que causaram a morte de aproximadamente 10 mil indígenas durante os 20 anos de ditadura militar. Em consequência das chacinas, transferências forçadas, epidemias, pacificações apressadas, torturas e assassinatos, milhares de indígenas e centenas de aldeias foram destruídas.
Um dos objetivos da Comissão Indígena da Verdade e Justiça é dar visibilidade a esses fatos, através de depoimentos e revelação de documentação histórica. Dessa forma também esperam contribuir com o relatório da Comissão Nacional da Verdade, previsto para ser concluído até o final deste ano. Porém, o mais importante é que a revelação desse processo de negação de direitos, violências e genocídio não se repita e não perpetue em nosso país.
Otoniel Kaiowá observou que é importante trazer os velhos pra falar porque eles conhecem toda a história. Diz que devemos demonstrar que não existem fronteiras e essas pesquisas vão ajudar a fortalecer a dimensão territorial. Foi dada muita ênfase aos cuidados indispensáveis para a realização dos relatos e depoimentos nas aldeias, sendo isso fundamentalmente uma atividade dos próprios acadêmicos e professores indígenas. Com isso se estará respeitando o espaço, o tempo e a cultura de cada povo, a situação concreta de cada comunidade e a compreensão de cada depoente. Já existem atividades em curso, dentro desses princípios, conforme relatou o professor Neimar, da UFGD. No dia 21 foi realizada uma importante audiência, com depoimentos de representantes de cinco aldeias/tekohá, em Dourados.
Outra dimensão importante do trabalho é que se chegue a fazer reparação coletiva aos povos indígenas, dentro das perspectivas em que está trabalhando o Ministério Público Federal (MPF). Uma das ações movidas está a do MPF do Amazonas, com relação aos Tenharim.
Foram elencadas quase duas dezenas de povos que tiveram inúmeras mortes diretamente cometidas por agentes do Estado brasileiro ou em decorrências de suas políticas desenvolvimentistas. Esses fatos devem ser reforçados com depoimentos e documentos para serem revelados à opinião pública.
Também foi discutida uma proposta de publicação, relatando extensamente todo esse processo de violência e mortandade sofridas pelos povos indígenas em nosso país.
Com muita determinação e realismo, sem ilusões quanto às dificuldades a serem enfrentadas, os membros da Comissão Indígena da Verdade e Justiça estarão se empenhando cada vez mais para que mais pessoas, aliados e voluntários da causa, se empenhem na luta pela verdade sem medo e pela justiça sem subterfúgios.

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