Foram três anos, 150 dias e mais de 700 horas de aula. O último dos
seis módulos da I Formação em Gestão Territorial do Xingu terminou nesta
terça-feira (21) no Diauarum, Polo base do Parque Indígena do Xingu
(PIX), com a apresentação de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) dos
alunos. A última etapa tratou da cronologia de eventos
político-administrativos que levaram à formação do PIX e sua importância
para a compreensão dos desafios atuais da gestão do Parque, hoje com
uma população de quase sete mil indígenas e 77 aldeias. Todos os alunos que participaram do curso são “filhos do PIX”, fazem
parte de uma geração que nasceu após a demarcação do Parque, em 1961,
com o desafio de harmonizar a convivência entre os povos. Pouco a pouco,
com a possibilidade de se acessar benefícios por meio de projetos, os
povos indígenas começaram a se organizar em associações. A Atix
completou 20 anos em 2014, ao longo da última década também surgiram
associações específicas das várias etnias que habitam o PIX. No último módulo, os alunos estudaram as estruturas de organização
sociopolítica tradicional dos povos do Xingu e as formas de liderança e
organização política da Casa Grande, como os indígenas e indigenistas
aprenderam a chamar o PIX, com seus 2,8 milhões de hectares, 16 povos
diferentes em uma mesma Terra Indígena. As últimas aulas foram coordenadas pelo secretario executivo do ISA, o
indigenista André Villas-Bôas, que atua em parceria com os índios do
PIX desde 1983, quando trabalhou no posto do Polo Leonardo, localizado
ao sul do parque. Nessa época a população era 1500 pessoas distribuídas
em 16 aldeias. Desde essa época, Villas-Bôas tem acompanhado de perto as
mudanças no território xinguano que vão do reconhecimento dos direitos
indígenas na Constituição de 1988 às dificuldades atuais para colocar em
prática esses direitos. No Brasil, o tema da gestão territorial em Terras Indígenas virou
política pública oficial do governo com a publicação, em 2012, do
decreto presidencial de Política Nacional de Gestão Indígena (PNGATI)
que institui as regras para garantir e promover a proteção, recuperação,
conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e
territórios indígenas. Na última etapa da formação os alunos analisaram o Plano de Gestão
Territorial da Terra Indígena Wajãpi, no Amapá, uma das 12 TIs que já
definiram um documento de governança, linhas de trabalho e objetivos
para o futuro de suas terras e seu povo. Discutiram também o documento base para o Plano de Gestão Territorial
do Xingu, que está em fase de elaboração. Entre 2012 e 2014 foram
realizadas oito reuniões nos quatro polos bases do PIX para discutir a
estrutura de governança e de tomadas de decisões para o Plano. Durante o
curso, os alunos analisaram o documento que está sendo construído pelas
lideranças de cada etnia do PIX, por representantes da Atix, do
Instituto de Pesquisa Etnoambiental do Xingu (Ipeax), do ISA e da Funai.
Do arco e flecha de madeira convencional da floresta ao equipamento
profissional de tiro com arco. Apostando na habilidade de jovens índios
com os instrumentos de caça, a organização não governamental Fundação
Amazonas Sustentável (FAS) criou o projeto Arquearia Indígena, com o
sonho de levar jovens às Olimpíadas. Neste final de semana, seis
indígenas participam de campeonato nacional em Maricá, no Rio de
Janeiro, com bons resultados para comemorar.
Um das estrelas é Inha, de 14 anos. Ele tem ocupado as primeiras colocações no ranking
nacional infantil e é uma das promessas. Da etnia Kambeba, do Baixo Rio
Negro, o menino, cujo nome significa Coração, é tímido. Saiu da aldeia,
na desembocadura do Rio Cuieiras, direto para um centro de treinamento
em Manaus, onde se prepara fisicamente com musculação, recebe
atendimento médico e nutricional, frequenta a escola e dá até 300 tiros
por dia.
A preparadora física e caça-talentos que descobriu os
jovens, Márcia Lot, explica que os jovens índios do projeto são tímidos,
pois deixaram suas aldeias natal há um ano e não estão acostumados com
multidões. Márcia percorreu aldeias onde sequer falavam português atrás
de arqueiros entre 14 e 19 anos. Uma menina também foi selecionada. “É um projeto de mudança, de inclusão social, de resgate de
autoestima, que visa a salvar o jovem”, disse. “Todos eles são arqueiros
desde os 3 anos de idade. Eles caçam bichos, como cotias e pescam com o
arco”, contou. Ela selecionou a equipe entre 320 jovens arqueiros da
região. “Força, resistência, foco e mira eles têm”, avalia, otimista, a
preparadora.
Outra aposta é Yagoara, também da etnia Kambepa.
Márcia Lot conta que desde a aldeia, Dream, como é chamado pelo grupo,
se destaca. Lá, além de arqueiro, era um grande caçador. “Saímos uma vez
juntos pela floresta para caçar um porco do mato. Ele passava a mão no
chão e reconhecia o cheiro, indicando o rastro. Esperamos cinco horas.
Eu desisti. Ele, não. Três horas depois, Yagoara voltou com o porco e
garantiu alimentação da aldeia por três dias”, relembra.
A
persistência dos jovens, a resistência e a capacidade de concentração
são as características que impressionam o técnico da equipe, Roberval
Santos, da Federação Amazonense de Tiro com Arco. Ele explica que ainda é
muito cedo para pensar nas Olimpíadas de 2016, mas que com treinamento
os jovens, talvez, tenham chance em 2020. “As pessoas podem achar que
[ser índio] é uma vantagem. Mas é bem diferente, porque o arco nativo
não exige um compromisso, é lúdico. O arco de competição é treinamento
de longo prazo, físico e psicológico”, explicou. Em média, os jovens
atletas treinam por uma hora e trinta minutos em escolinhas.
Atento
aos atletas do Rio Negro, está Marcos Vinícius D'almeida, de 16 anos,
considerado um fenômeno na arquearia. Ele conquistou recentemente a
prata nos Jogos Olímpicos da Juventude Nanquim 2014 e é aposta do Brasil
nas competições internacionais. Para ele, os jovens indígenas têm a
mesma chance que os que se dedicam ao esporte. “Não sei até que ponto
isso é vantagem ou não. Mas quanto mais gente praticando, melhor”,
disse.
O projeto da Fundação Amazônia busca valorizar também a
diversidade cultural e resgatar a autoestima dos índios. “Nossa ideia é
usar o esporte como ferramenta de educação. Dar instrumentos para que
busquem seus objetivos, seja quais forem, e até voltar para aldeia”,
acrescentou Marcia. Fonte