quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Um adeus no Apyka’i


Outro atropelamento, outra morte na mesma BR, a 463, nos mesmos Km 04, 05, 06. Outra vida é ceifada à beira do caminho. Ao todo, em nome do desenvolvimento nos últimos anos, são sete vítimas. Uma vida jovem!
A comunidade de Apyka’i vive uma situação muito delicada frente a tantas ameaças. Um lugar que no passado foi o paraíso deste povo hoje está sendo o contrário, o tormento. Até que o Governo Federal e a Justiça decidam pela demarcação da terra da comunidade do Apyka’i.
As famílias da comunidade revezam-se, durante as noites, em vigília e sentinela para proteger o seu tekoha (sua terra). E, na noite de 07 de fevereiro, enquanto as famílias Kaiowá realizavam rituais e atividades de proteção de seu tekoha, Delci, de 17 anos de idade, viveu os seus últimos momentos.
Por volta das 21 horas, quando pretendia atravessar a BR-463, foi atropelada por um caminhão que transportava bagaços de cana-de-açúcar. Segundo testemunhas, o caminhão, apelidado de Julieta, de propriedade da Usina São Fernando, que trafegava em alta velocidade, atropelou e matou Delci.
O sepultamento do corpo ocorreu no dia 10 de janeiro após um ato de protesto contra todas as práticas de violência. Lideranças indígenas de diversos tekohas participaram dos rituais de despedida da jovem Delci.
Uma jovem mulher, uma mãe foi plantada no solo sagrado. Muitos diziam, mas ela era tão jovem... O pai, a mãe, os irmãos, as irmãs de Delci se aproximaram do caixão para o último adeus! O povo entristecido gritou: “Delci você é mais um anjo no céu para fortalecer a nossa luta na terra”.
Naquele dia, por três vezes, um avião sobrevoou o local da comunidade. Parecia estarem vigiando o lugar. Quem seria? Qual sua intenção? Jogar flores? Claro que não.
Quando uma semente morre no solo fértil que grita por justiça, brota com mais vigor, com mais força e produz mais sementes. Nas palavras repetidas pelos Nhanderu (lideranças religiosas) se ouvia o clamor por justiça e a denúncia às violações aos direitos humanos: “Não é matando o nosso povo que vão resolver isso. Se matar resolvesse este problema a solução já teria acontecido, pois o solo de Mato Grosso do Sul está encharcado de sangue indígena”.
A comunidade continua decidida a permanecer no seu tekoha, mesmo que custe as vidas de todos.

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