Em memória dos 259 anos da morte de Sepé Tiaraju o Povo Mbya reafirma sua força na luta pela terra sem males!
Nós,
filhos e filhas do povo Mbya Guarani, representantes de mais de 25
aldeias que se encontram espalhadas por todo estado do Rio Grande do
Sul, estivemos reunidos entre os dias 05 e 07 de fevereiro de 2015 na
cidade de São Gabriel/RS para celebrar o 9º encontro em memória da morte
de nosso grande líder Sepé Tiaraju e os mais de 1500 guerreiros
massacrados pelos exércitos da Espanha e Portugal no dia 10 de fevereiro
do ano de 1756.
Escrevemos
esta carta para avisar o Governo e o Estado Brasileiro que aqui estamos
em luta. Para dizer que seguimos vivos, munidos de nossa fé e de nossa
força e que continuamos nos encontrando para fortalecer nossas lutas e
nossa resistência contra todas as ações e ofensivas aos nossos direitos.
Que mesmo contra a vontade dos setores dominantes, deste Governo e
deste Estado, que se esforçam para acabar com nossas terras, seguimos
reafirmando que estamos cada vez mais fortes em nossa espiritualidade e
na defesa da vida de nossas antigas e de nossas futuras gerações.
Denunciamos
que assim como no tempo de Sepé Tiaraju, que tombou lutando por nosso
povo, hoje enfrentamos igual destino. O governo Federal junto com o
agronegócio, empresários, fazendeiros e outros exploradores insistem em
continuar com o projeto colonizador. Ao radicalizar sua posição baseada
no desenvolvimentismo, no agro-extrativismo e na exploração da natureza,
radicaliza também sua investida contra os povos indígenas atacando
nossos direitos constitucionais, tomando nossos territórios e
criminalizando nossas lideranças.
Por longos anos, em nome de uma ideia de propriedade privada que destrói a vida, o Jurua
– branco – botou cercas e cadeados em nossas terras e agora o governo
coloca cercas e cadeados em nossos direitos. A PEC 215-2000, o PL
227-2012, a portaria 303-2012 da Advocacia Geral da União e as posições e
decisões da segunda turma do Supremo Tribunal Federal contra a
demarcação de nossas terras são exemplos destes cadeados e das
armadilhas contra nossa vida e o modo de ser Guarani Mbya. Através
destes golpes entendemos que, após a paralisação das demarcações de
nossas terras, tanto o poder Legislativo quanto o Executivo querem
acabar com nosso direito mais caro, o de sermos nós mesmos e vivermos
nossa própria cultura. Não bastassem as violências praticadas por
fazendeiros, grileiros e pelo governo, agora o próprio Poder Judiciário
passou a apontar a revisão de alguns territórios já demarcados de nossos
parentes no Mato Grosso do Sul baseado em um ataque que estão chamando
de Marco Temporal, onde se estabelece como limite para demarcar nossas
terras o ano 1988, quando a atual Constituição Federal foi promulgada.
Isso é mais um absurdo jurídico que querem impor contra nossos direitos
originários.
O
resultado desta política é desastroso: são décadas de descaso com
nossos velhinhos que andaram gastando seus pés por este chão, criando
seus filhos em beiras de rodovia, debaixo das lonas pretas, vendo com
seus olhos tanta terra espalhada por este estado gigante, mas sem poder,
com suas mãos, semear a terra e, junto ao broto novo, sentir pulsar
também a cultura viva. É este o resultado da política de nossos
governantes que escolhem o agronegócio e a morte ao invés de respeitar a
própria Constituição e gerar políticas que defendem a vida, direito que
temos e que queremos imediatamente. As leis estão no papel enquanto os
Mbya estão na beira das estradas. Exigimos que elas deixem o papel para
que nossa vida deixe de ser apenas um sonho distante.
E
agora, para piorar, querem acabar com o pouco que nos resta. Com o
desenvolvimentismo vêm as rodovias e deixamos de ter até mesmo a beira
das estradas, muitas vezes última possibilidade de estarmos perto de
nossos territórios tradicionais. Em âmbito nacional estes mesmos ataques
se expressam contra nossos parentes na forma da construção de
barragens, hidrelétricas, redes de transmissão de energia e outros
caprichos de um modelo de desenvolvimento e progresso que consome a
terra, as matas, os rios e a própria vida. Sabemos que a mineração é
apontada como o próximo passo de exploração definitiva de nossas terras
e, para isso, o Governo já prepara novas regras e códigos para mudar as
leis que protegem a natureza para com isso poder depredar todo o meio
ambiente e o que sobrou de nossos territórios.
Os
nossos direitos a uma saúde diferenciada estão sendo igualmente
ameaçados. O governo federal pretende entregar o dinheiro da assistência
em saúde para empresas privadas, muitas delas ligadas aos inimigos dos
direitos indígenas. É de
conhecimento público que a assistência em saúde está quase abandonada e o
resultado disso tem sido a morte de nossas crianças. A intenção do
governo federal é a de criar o INSI – Instituto Nacional de Saúde
Indígena. Nós, através de nosso distrito sanitário, já nos manifestamos
contra esta proposta e sabemos que a maioria dos povos indígenas do
Brasil também não concorda com esse Instituto. Nós queremos o
fortalecimento da Sesai e que nossas comunidades possam acompanhar e
participar das ações e serviços de saúde. Mas lá em Brasília, longe de
nossa realidade, de nossas vidas eles seguem nos golpeando e querem
aprovar na marra este absurdo.
Queremos
dizer ainda que as políticas de compensação pelas duplicações das
estradas através de compra de pequenas terras são frutos de nossa luta. E
que estas conquistas melhoraram um pouco as nossas vidas, trazendo um
alivio imediato, especialmente para nossas crianças e nossos velhinhos.
Agora temos tido condições de viver minimamente nosso Nande Reko.
Mas sabemos que quando os filhos de nossos filhos vierem sobre a terra,
estas terras serão insuficientes e que por isso estaremos lutando
permanentemente pelos nossos territórios ancestrais, aqueles que nosso
coração nunca esquece e que acompanha nossos passos.
Alegrou-nos
muito a presença de nossos parentes Guarani Nhandewa do Paraná e Kaiowá
do Mato Grosso do Sul. Reafirmamos nosso compromisso de estarmos firmes
e sempre juntos nas lutas pelos nossos direitos e contra as praticas de
violências e discriminação que os Jurua
promovem contra nossos povos e nossas culturas. Juntos nós caminharemos
e romperemos com as cercas e os cadeados que prendem e impedem as
conquistas e garantias dos nossos direitos.
Por
fim, exigimos – enquanto povo Guarani Mbya – que nossas terras sejam
imediatamente demarcadas e nossos direitos constitucionais mantidos e
assegurados. Lutaremos com todas as nossas forças, com nossas armas
físicas e espirituais, para que isso aconteça. Com Ñhanderu entoaremos nossos cantos sagrados e continuaremos balançando nossos Mbarakas. Assim faremos a defesa do nosso direito originário de vivermos em nosso Tekoá.
Anunciamos, neste, que estamos mais vivos do que nunca e continuaremos nosso caminho rumo a YVY MARÃE´Y - Terra Sem Males.