quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Até quando indígenas brasileiros serão assassinados impunemente por causa da terra?

Caros Conceição Lemes e Azenha,
É com tristeza que encaminhamos a matéria abaixo publicada pelo CIMI, sobre o assassinato do Cacique Potiguara Geusivan Silva de Lima e de Claudemir Ferreira da Silva.
“É muita covardia: dentro de nossa terra,da qual somos filhos, andamos assombrados.
Porém, não tenho medo de bandido e se tiver que morrer defendendo meu povo, se essa for a vontade de Tupã, que seja feita. Não vou abandonar a luta”. Cacique Geral Sandro Potiguara.
No momento em que a Comissão Nacional da Verdade acolhe proposta de trabalho feita pela Associação Juízes para a Democracia, Comissão Justiça e Paz e Grupo Tortura Nunca Mais-SP criando o subgrupo Campo, sob coordenação de Maria Rita Khel, para levantarmos de forma colaborativa a situação das violências sofridas pelas populações indígenas entre 1946 e 1988, (bem como dos camponeses), vemos com pesar que estas práticas se perpetuam em nossa sociedade.
Nos dedicamos a esta tarefa de levantar e sistematizar as violências sofridas pelos índios como forma de subsidiar a Comissão Nacional da Verdade, na certeza de que estes fatos passados vindo à tona, trarão luz para que a sociedade tire da invisibilidade as questões de vida e morte que envolvem os índios hoje em nosso país. Até quando?
Até quando a cobiça e o lucro continuarão a assassinar e atuar impunemente? Até quando a cana e a soja valerão mais que a vida das pessoas? Por que a FUNAI e a Polícia Federal não atuam no sentido de se cumprir a lei e retirar aqueles que durante décadas exploram comercialmente e ilegalmente estas áreas? Quanto sangue será derramado, quanto medo será imposto à rotina e vida destas pessoas até que o Estado brasileiro faça algo?
A terra dos índios potiguara que no começo do século 20 se extendia pelo litoral do Rio Grande do Norte e Paraíba foi sendo reduzida e ocupada nos anos 80 pelo Exército e Polícia Militar para ser retalhada ainda mais, favorecendo interesses de fazendeiros, mineradora e usineiro da região. Também oficializando um território na Paraíba, através de demarcação que retirou 14 mil hectares de suas terras, intimidando a população local, ameaçando suas lideranças, inclusive produzindo o único indígena brasileiro exilado no Canadá e reconhecido pela ONU saído destas terras onde resistiam a esta opressão, depois de ser preso, torturado e ter sua casa incendiada.
A ilegalidade no uso destas terras, a omissão e conivência do Estado e a ausência de atitudes pela FUNAI são causa e consequência desta violência contra a nação potiguara. Vivemos as mesmas práticas do tempo da ditadura militar, tanto no que diz respeito à violência impune, como na omissão do estado alinhada a interesses economicos em detrimento da vida destes índios brasileiros.
A retirada imediata de todos que usam e abusam ilegalmente das terras potiguara é a unica reparação possível para fazermos justiça em respeito à vida deste líder indígena assassinado e seu companheiro, pois este será mais um crime político que ficará longe das barras dos tribunais, como tantos outros que têm acontecido em nosso país, tais como os caciques e lideranças ameaçadas e assassinadas no centro-oeste brasileiro.
É preciso que a sociedade se envolva nos trabalhos de pesquisa da Comissão Nacional da Verdade para que venha à tona as práticas do passado de modo a mudarmos nosso presente, reforçando e aprofundando através da justiça de transição mecanismos de combate à impunidade, de transformação e fortalecimento de uma justiça para todos. Este crime contra o Cacique Geusivan e Claudemir não pode ficar impune e no silêncio, pois atinge a todos nós brasileiros e brasileiras.
Cópia deste email está sendo enviada à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos para que sejam tomadas as devidas providências no sentido de realizar ação de desintrusão dos fazendeiros e não-índios desta área indígena, gesto concreto que esperamos seja tomado pelo estado brasileiro a favor da vida e da democracia.
 Atenciosamente,
Marcelo Zelic
Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo
Coordenador do Projeto Armazém Memória

FONTE

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