Há dois anos, no dia 28 de janeiro de 2013, a entrega de um documento
ao povo Xavante marcou o fim da desintrusão (saída de agricultores e
não índios) da Terra Indígena Marãiwatsédé, em Mato Grosso. Depois de
muitos anos de espera, os indígenas voltavam para a sua terra
tradicional – de onde foram retirados à força na década de 60.
A
luta pelo retorno à terra durou cerca de 20 anos - desde a declaração de
ocupação tradicional pelo Ministério da Justiça, em 1993, até a saída
definitiva dos não índios, em 2013. Durante esse período, fazendeiros e
ocupantes entraram com várias ações e questionamentos na Justiça para
tentar adiar a saída da área.
Agora, dois anos depois da
desocupação definitiva, o cacique Paritzané, mais conhecido como Damião
Xavante, conta que os índios estão mais tranquilos, mas que encontraram a
terra ancestral de 165 mil hectares muito degradada.
“Deixamos a
mata fechada. Quando nós voltamos, encontramos só pastagens, destruição
da natureza, tudo acabado. Não tem caça, só pasto. Hoje, estamos
cuidando para preservar, só que todo ano, desde que começou e antes de
começar a desintrusão, só queimaram pasto. E nós encontramos grande
dificuldade por causa da destruição que fizeram durante muitos anos”,
desabafa.
De acordo com documentos disponibilizados pelo
Ministério Público Federal, seis meses depois da desintrusão, a terra
indígena foi invadida pelo menos duas vezes e novos mandados de
desocupação foram expedidos pela Justiça Federal. Em janeiro de 2014,
exatamente um ano após a retirada dos não índios, ocorreu nova invasão.
O
secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cléber
Buzatto, destaca a iniciativa xavante de construir mais aldeias como
forma de proteger o território. Ele lembra, entretanto, que ainda existe
o temor de novas invasões de não índios. Hoje, a área conta com cerca
de mil xavantes, segundo informações do cacique.
“Atualmente os
xavantes tentam se organizar para ocupar toda a área. Mas o povo
[xavante] está vendo as condições mais adequadas porque ainda existem
riscos de ocupação do território, algumas ameaças. Por isso os indígenas
estão fazendo avaliações para ver o melhor momento de formar novas
aldeias dentro desse território.”
Em nota, a Fundação Nacional do
Índio (Funai) informou que a construção das aldeias tem sido tratada de
forma conjunta entre a coordenação regional e a própria sede, em
Brasília.
Há um plano, encaminhado pela associação indígena para a
Funai, que prevê a construção de nova aldeia com os recursos da venda de
silos (locais de armazenamento) que ficaram na área após a desintrusão.
A venda foi autorizada por decisão judicial. O plano, entretanto, ainda
está sendo avaliado pela fundação.
Já os antigos ocupantes da
terra indígena que se enquadravam como beneficiários da reforma agrária
foram, em parte, atendidos pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra). Cerca de 97 famílias estão no Projeto de
Assentamento Casulo Vida Nova, em uma área semiurbana, no município
mato-grossense de Alto Boa Vista. Quem seguiu para a área, entretanto,
reclama da total falta de estrutura para moradia e desenvolvimento
econômico.
“É muito triste ver a situação que essas pessoas estão
vivendo hoje. Sem água, sem luz, o caminhão leva água uma vez por
semana. Não dá para sobreviver, não dá para produzir porque a terra é
fraca. É varjão e o que não é varjão é um cerradinho bem fraquinho, e o
tamanho também, é pouco maior que um lote”, critica Maria Brasilina
Martins de Sousa.
A família de Brasilina tem um lote no
Assentamento Vida Nova, mas ela trabalha com comércio ambulante em Alto
Boa Vista. Antes, tinha uma loja na Vila Posto da Mata – que hoje faz
parte da Terra Indígena Marãiwatsédé.
“Eu estava começando meu
negócio. Estava começando a minha primeira casa. Meu marido tinha terra,
gado. O que ficou lá dentro [da terra indígena] e não perdeu, as
pessoas compraram pela metade do preço. Eu vendo roupa, já tinha a minha
lojinha e hoje sou sacoleira, saio vendendo de casa em casa, de
vilarejo em vilarejo, para pagar um aluguel porque nem minha casa mais
eu tive condições de ter.”
O superintendente do Incra em Mato
Grosso, Salvador Soltério, explica que a falta de moradias no Projeto de
Assentamento Vida Nova é uma questão que não depende mais do instituto.
Segundo ele, as famílias devem se inscrever no projeto Minha Casa Minha
Vida Rural.
“O Incra conseguiu liberar recursos para crédito
inicial, cerca de R$ 3 mil por família. Trabalhamos a questão de
delimitar as ruas e os lotes, liberamos recursos para encascalhamento
das ruas, e o Incra encaminhou todo o processo para a construção das
moradias, que se encontra hoje no Banco do Brasil. Além disso, o Incra
abriu edital na região para adquirir áreas destinadas a receber mais de
100 famílias que ficaram.”
Na área xavante, o cacique Damião
explica que a esperança está nos mais jovens, para que trabalhem e
valorizem a terra, pois, segundo ele, não é justo ter a terra e sair
para morar na cidade. “Queremos produzir. Por isso, hoje o povo da
aldeia Maraiwatsédé está trabalhando. E nós vamos plantar mais. É isso
que quero. Esse é o futuro do cacique.”
Editor Lílian Beraldo
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